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Publicado no Jornal da Tarde, 16/09/2003.

O fim do idoso

O Brasil está tomando consciência de que a maior parte das famílias não sabe como lidar com os idosos. Vejo, quando posso, os capítulos da novela "Mulheres Apaixonadas" da TV Globo, na qual o meu amigo Marcos Caruso interpreta magistralmente o papel de um filho que decidiu cuidar de seus pais até o fim da vida e que tem de enfrentar a incompreensão de uma filha moça que vê os avós como um insuportável estorvo dentro de casa.

Há pouco tempo perdi minha mãe, que completou 100 anos, tendo passado boa parte de sua vida morando conosco sob a proteção do imenso carinho e amor de minha querida esposa, Wilma. Infelizmente, não é isso o que acontece com a maioria dos idosos do Brasil, em especial as mulheres.

Entre nós, a velhice está sendo rapidamente "feminizada". As mulheres vivem mais tempo do que os homens. Para cada 100 mulheres de 80 anos ou mais, há apenas 60 homens. Dentro de 20 anos, o número de homens nessa faixa etária cairá para 50, porque o número de mulheres aumentará ainda mais (Ana Maria Goldani, "Mulheres e Envelhecimento", in Ana Amélia Camarano, Muito além dos 60, Rio de Janeiro: IPEA, 1999).

O que fazer com esse novo quadro? Durante séculos, ficou implícito nas sociedades humanas um pacto entre gerações, segundo o qual os pais cuidavam dos filhos quando estes eram jovens e os filhos cuidavam dos pais quando estes ficavam velhos. Nos dois casos, o apoio era emocional e financeiro.

Nas últimas três décadas, porém, esse pacto foi profundamente abalado. Foram vários as causas dessa mudança. Dentre elas, destacam-se o aumento das separações e divórcios, a crescente participação da mulher no mercado de trabalho, a redução do número de filhos e o enfraquecimento dos laços familiares devido à ausência no lar que decorre das grandes distâncias entre residência e trabalho, do isolamento provocado pelos novos meios de comunicação e lazer (televisão, Internet, "malhação", etc) e pela quase mania das pessoas fazerem milhares de coisas ao mesmo tempo.

Para os idosos, o mundo saiu-lhe debaixo dos pés. Os mais jovens saíram de casa ou passam a maior parte do tempo fora de casa. Eles estão sem tempo e, sobretudo, sem paciência para distribuir o que os idosos mais precisam - amor.

Nos países mais ricos, os idosos são atendidos por instituições especializadas, muitas delas sofisticadas e até luxuosas, que oferecem de tudo, desde a comida até lazer e assistência médica - menos o carinho e o aconchego da família.

Nos países mais pobres, quando os adultos saem de casa, os idosos ficam sós. E isso é mais grave entre as mulheres, exatamente as que cuidaram de toda a família a vida inteira. Sim porque os homens que ficam viúvos, em geral recasam; as mulheres não recasam. Elas ficam no isolamento e, em muitos casos, assumem novas responsabilidades como é o caso da supervisão das crianças das filhas e noras que saem para trabalhar. Avós, sogras e mães transformam-se em babás eternas.

A sociedade brasileira está diante de um grande desafio. Não tem recursos para manter as instituições de amparo aos idosos que, apesar da frieza, custam caro. E perdeu as condições sociais para levar adiante o pacto de gerações.

O legislador reagiu. A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o Estatuto do Idoso. No projeto ficou estabelecido que nenhum idoso poderá ser vítima de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. Além disso, ganhará um salário mínimo ao completar 65 anos.

Foi um esforço louvável. Mas será que isso vai ser suficiente? É claro que não. Esse problema não se resolve por atos de governo. Ainda não se inventou a lei que seja capaz de garantir o amor. Este depende do cultivo dos valores humanos, do sentimento de solidariedade, da conduta humanitária - o que só se apreende através da educação na escola e, principalmente, na família.

É muito bom quando o Manoel Carlos, autor da referida novela, coloca o drama do idoso no horário nobre da televisão. Isso penetra fundo na alma dos telespectadores e abre uma excelente oportunidade para os pais incutirem nos filhos a necessidade de respeitar e apoiar os mais velhos.

Campanhas como essa precisam ser estendidas às escolas, às igrejas, aos clubes esportivos, aos locais de entretenimento, enfim, a toda organização que, de alguma maneira, pode ajudar a levar adiante o pacto entre gerações porque, por uns bons tempos, a sociedade humana terá dificuldade para substituir essa velha instituição que é a família.