Publicado em O Jornal da Tarde,26/12/1996
O brasileiro é tolerante?
Quando se olha para o quadro da desigualdade, costuma-se dizer que o brasileiro é um povo bastante tolerante. Somos os campeões da desigualdade. Ao mesmo tempo, detemos um "record" de pacifismo. São poucas as pessoas que se revoltam, dizem aqueles que nos comparam com os espanhóis, uruguaios e argentinos.
Examinando-se a questão com mais atenção, vemos que o quadro não é bem esse. Os dados sobre criminalidade e violência (que são formas de protesto e agressão ao próximo) dizem o contrário. A proporção de homicídios no Brasil dobrou nos últimos dez anos. Entre nós, mata-se mais do que em Nova York.
Os estudos sobre a tolerância costumam focalizar dois aspectos mais particulares da vida social: tolerância em relação à liberdade e à igualdade.
Aqui, a coisa de complica. A liberdade e igualdade são muito contraditórios. A sociedade democrática, ao alimentar o desejo pela igualdade, dizia Tocqueville corre o risco de destruir a liberdade. A busca insaciável da igualdade leva ao despotismo da maioria, ameaçando a liberdade.
Esse é o tipo do problema que tira o sono de qualquer um. é angustiante saber que temos de ceder liberdade para ter mais igualdade. Por outro lado, ninguém aceita aumentar a desigualdade para se chegar à liberdade.
Nos campos da liberdade e igualdade, é comum para as pessoas apoiarem os princípios gerais. Mas, quando se chega no terreno dos fatos específicos, a reação muda. Esse é o caso do pai que apóia a igualdade de direitos entre pessoas de raça diferente mas que não aceita ver sua filha branca passando o seu dote ao genro negro.
Costuma-se dizer que o brasileiro não tem preconceito. Mas os estudos mais refinados indicam que apenas 13% dos brancos estão nessa condição; cerca de 87% têm algum nível de preconceito ("O Racismo Cordial", Folha de S. Paulo, 25/06/95).
O respeito à liberdade do direito de uma pessoa expressar suas idéias não implica suprimir a crítica. A tolerância é boa para o sistema politico; beneficia a busca da verdade; é boa para os indivíduos. Ninguém duvida disso. Ao mesmo tempo é comum encontrar-se protestantes que condenam a pregação católica sob o argumento que, ao povo, deve ser revelada apenas a verdade - tomada como sinônimo de suas idéias.
A tolerância na sociedade requer instituições politicas tolerantes e comportamentos dos lideres também tolerantes (Michel Corbett, Political Tolerance, 1982). Mas quando se desce à realidade, a coisa muda. A Constituição Federal proíbe os preconceitos de raça, cor, religião, etc. (art 5º). O Brasil possui uma instituto anti-racismo (Lei 7.716, 5/1/89). Apesar disso, a tolerância nessas áreas está se revelando baixa, mesmo entre os que praticam o sincretismo de religião e de raça.
A tolerância é mais alta entre as pessoas mais educadas. Mas, a literatura mostra que o determinante não é a escolarização. A educação dá uma segurança psicológica aos indivíduos. é essa segurança que tem um papel dominante na determinação da tolerância.
Os estudos sobre a tolerância no Brasil estão apenas engatinhando. Sérgio Buarque de Holanda defendeu a tese segundo a qual a grande contribuição dos brasileiros à civilização ocidental é a cordialidade. Mas, os comportamentos velados nas questões racial e religiosa, a criminalidade e a violência urbanas, a agressividade absurda demonstrada no futebol, trânsito e forrós fazem a gente pensar e repensar a questão. Parece que o brasileiro já foi mais tolerante e entra agora numa nova era. Será interessante acompanhar esse assunto ao longo do tempo.
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