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Publicado em o Estado de S. Paulo, 31/12/99

Homem vive mais e tempo de trabalho diminui

Os seres humanos estão vivendo cada vez mais e trabalhando cada vez. Para constatar esse fato, basta comparar o tempo disponível para o trabalho com o tempo trabalhado. O primeiro é dado pela soma de horas de vida das pessoas, menos as que são dedicadas à infância, educação, alimentação, lazer e descanso diário. O tempo trabalhado é dado pelas horas de atividade laboral menos as de férias, feriados e licenças.

No final do século 19, um trabalhador típico da Europa vivia 55 anos. Hoje vive 78. O tempo disponível para o trabalho, era de 242 mil horas. Hoje é de 356 mil. O tempo trabalhado, era de 125 mil horas; hoje, é de 69 mil.

Ou seja, no passado, as pessoas trabalhavam 50% do tempo disponível. Hoje, 20%. Reduziu-se o número de horas trabalhadas e aumentou o de horas vividas.

Apesar disso, muitos se queixam de falta de tempo para o convívio familiar. Acham que no passado, o trabalho liberava mais tempo para a família. Pura ilusão. No século 19, conhecia-se apenas a semana de 7 dias. O domingo era dedicado a atividades comunitárias que invadiam a família e ocupavam todos. As cerimônias de nascimento, batizado e casamento, igualmente, atropelavam a intimidade familiar.

Até o final do século passado, a sala de jantar, que permite a conversa mais íntima entre os familiares, não havia sido inventada. Marido e mulher gastavam a vida, mantendo a moradia, cultivando a horta, e criando os animais.

O tempo para o convívio familiar aumentou. A semana de 5 dias é uma invenção recente. A jornada de 48 horas foi conquistada no início do século 20 e, mais recentemente, baixou para 44, 40 e até menos. As pesquisas sugerem, lá pelo ano 2030, as pessoas trabalharão 30 horas por semana e a vida média subirá para 88 ou 90 anos de idade.

A alegada solidão das pessoas não decorre da falta de horas livres, mas do modo de usá-las. A maioria do tempo livre é gasto em atividades que separam as pessoas da interação social – televisão, internet, cinema, teatro, natação, malhação e outras.

Ao longo deste século, as mudanças no trabalho foram além do ganho de horas livres. O desgaste físico dos seres humanos no trabalho diminuiu. Essa mudança não foi linear. Ao contrário, ela foi marcada por evoluções e involuções.

A entrada das máquinas e das novas fontes de energia no final do século 19, por exemplo, reduziu a importância da força muscular – o que permitiu às fábricas recrutarem pessoas de desenvolvimento físico incompleto - as crianças - e as que, mesmo cansadas, depois de uma longa jornada de trabalho doméstico - as mulheres -, trabalhavam 90 ou 100 horas por semana.

Mas, ao longo do século 20, as tecnologias industriais e as novas fontes de energia permitiram a expansão de atividades que exigem pouca energia física, muita capacidade mental e menos horas de trabalho. A ampliação do comércio, educação, saúde, finanças e outros serviços suavizou o trabalho para homens e mulheres. As máquinas tornaram-se baratas e inteligentes, permitindo substituir a força muscular e aumentar a memória e até mesmo a percepção dos seres humanos.

Ademais, as instituições de proteção aos menores, à velhice (aposentadoria), à saúde (seguro-acidentes e seguro-saúde) e à desocupação (seguro-desemprego) passaram a integrar as sociedades contemporâneas.

No Brasil, os passos mais decisivos nesse terreno foram iniciados nos anos 30 e 40, dentre os quais, merecem destaque - a limitação do trabalho do menor (Decreto 22.042 de 03/11/32); o seguro contra acidentes do trabalho (Decreto 85 de 14/03/35); o salário-mínimo (Decreto-Lei 2.162, 01/05/40); a remuneração de feriados (Decreto-Lei 6.459 de 01/05/44); o auxílio-doença (Decreto-Lei 6.095 de 26/09/44). Daí para frente foi uma enorme proliferação de leis, decretos e portarias voltadas para a proteção do trabalho.

Em relação a outros países, o Brasil não ficou mal nesse campo. O grande problema foi o de fazer a realidade seguir a lei. Até hoje, persistem na ilegalidade cerca de 57% dos brasileiros, trabalhando no mercado informal.

Uma diferença que aumentou em desfavor do Brasil foi a da educação. Enquanto na Europa e Estados Unidos, as máquinas têxteis, o desenvolvimento das siderúrgicas, a chegada da energia a vapor, a penetração das estradas de ferro e a expansão do sistema bancário fizeram melhorar ainda mais os sistemas educacionais, o descaso com a educação no Brasil contribuiu para manter o País como uma nação agrícola, atrasada, e de industrialização tardia.

Até hoje a nossa força de trabalho tem apenas 4 anos de escola, em média, - e má escola - enquanto que na América do Norte, Europa e boa parte da Ásia, os trabalhadores têm mais de 10 anos de escola – e boa escola.

O futuro poderá ser melhor na medida em que o Brasil resolver os problemas do presente – crescer mais; educar melhor; e legislar com realismo.

O Brasil precisa de novas instituições de proteção do trabalho. As atuais foram construídas para o "mundo do emprego", que encolhe cada vez mais, nada existindo para proteger os trabalhadores do "mundo do trabalho", que se expande a cada hora, em especial o do trabalho independente.

O início do século 21 terá de ser marcado por uma profunda revolução no campo das instituições trabalhistas e previdenciarias. Oxalá isso ocorra em benefício de toda a Nação.