Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/04/2002
Catracas no Supremo Tribunal Federal
Continua prosperando no Brasil a noção de que as tecnologias causam desemprego. No Rio de Janeiro, o governador Anthony Garotinho patrocinou a Lei 3.349/99 que proíbe, por 25 anos, o uso de catracas eletrônicas nos ônibus. O objetivo é o de preservar os empregos dos cobradores.
A lei foi contestada. Segundo o sindicato das empresas de ônibus, uma lei estadual não pode legislar sobre assuntos de interesse municipal. O caso deu muitas voltas e foi parar no Superior Tribunal de Justiça e, em março de 2002, no Supremo Tribunal Federal por tratar-se de matéria constitucional. Pobres Ministros! Eles que têm de julgar mais de 100 mil processos por ano, terão agora de aprofundar seus conhecimentos sobre a teoria das catracas.
Em toda essa trajetória, ninguém examinou o alegado "espírito devastador" daquela inovação tecnológica. De onde vem a sua maldade? Afinal, catracas eletrônicas, assim como bombas de gasolina self-service, aparelhos de leitura ótica, cartões magnéticos, radares de estrada, caixas eletrônicos de bancos, compras pela Internet, etc. causam desemprego?
É fácil citar casos nos quais onde entrou a máquina saiu o trabalhador. Esse é caso das cortadeiras de cana de açúcar, dos robôs nas montadoras de automóveis, dos computadores no controle de almoxarifados e vários outros.
Mas será que essa destruição causa desemprego na sociedade em geral? A história mostra que não. As perdas de postos de trabalho foram sempre compensadas por ganhos de emprego em outros locais ou nos mesmos locais depois de certo tempo. Quando ferreiros e cocheiros desapareceram, mecânicos, eletricistas, pintores, borracheiros e vendedores de autos tomaram seus lugares.
Por ganharem mais produtividade, as empresas produzem mais com menos insumos. A economia como um todo aumenta a sua capacidade de investir. Com isso, novos postos de trabalho são gerados. O que se cria supera o que se destroi.
Aos que gostam de raciocinar por absurdo, pensem no seguinte. Digamos que as empresas da atualidade parassem de usar tecnologias. Certamente, elas perderiam produtividade e seriam ultrapassadas pelas competidoras do país e do exterior. No médio prazo, morreriam. Ao fecharem suas portas, todos os postos de trabalho seriam destruídos.
Para a empresa moderna não existe essa escolha de modernizar ou não modernizar. Se parar de modernizar, ela morre e mata os empregos. Mas ainda há os que argumentam ser a atual revolução tecnológica diferente das anteriores porque se baseia na informática e telecomunicações que atingem muito mais as empresas e os empregos do que o tear e os fornos siderúrgicos do século passado.
Ledo engano. Vejam este exemplo. Os navios transatlânticos no início do século, usavam 150 tripulantes para transportar 500 passageiros. Hoje, um Boeing conduz os mesmos passageiros com apenas 20 tripulantes. Reduziram-se os postos de trabalho dentro da embarcação. Mas o avião a jato contribuiu de forma fantástica para gerar novas oportunidades de trabalho. Na década de 60, a passagem aérea mais barata entre São Paulo e New York custava US$ 3.000 (a preço de 2002). Hoje, custa US$ 450. Esse barateamento permitiu a explosão do turismo mundial, o que gerou trabalho para milhares de aeronautas, aeroviários, mecânicos, desenhistas, atendentes de aeroportos, agentes de viagem, taxistas, garçons, maitres, gráficos, interpretes, construtores de hotéis, centros de convenções, etc.
Observem o impacto que a carga teve sobre os empregos. O barateamento do transporte aéreo permitiu aos produtores de flores em Jaguariúna (São Paulo) e frutas em Petrolina (Pernambuco), por exemplo, embarcarem seus produtos diariamente por avião para a Europa e Estados Unidos, participando ativamente do comércio internacional. Será que haveria mais trabalho em Jaguariúna e Petrolina sem o transporte aéreo?
Com a entrada de novas tecnologias, o emprego pode cair (a curto prazo) no local em que elas entram. Mas, com a eficiência ampliada, a economia aumenta a demanda por novos profissionais. As tecnologias mudam os tipos de empregos. O processo de ajuste não é automático ou indolor. É papel das políticas públicas reduzir o sofrimento dos mais atingidos por essas mudanças, com programas de treinamento e reconversão profissionais.
Em vários países, as empresas que inovam, colaboram com o processo de reciclagem dos trabalhadores eliminados pela tecnologia introduzida. Por que não usar o talento dos nossos eminentes juristas (e legisladores) para formular esse tipo de lei, em lugar de gastar seus preciosos neurônios para saber se a catraca é constitucional ou inconstitucional?
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