Publicado em O Jornal da Tarde,13/03/1996
Crianças gestando crianças
No dia internacional na mulher (8/3/96), o então Ministro da Justiça, Nélson Jobim, encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei endurecendo as punições contra os crimes contra as mulheres. Isso visava atingir os homens que praticavam estupro, violência e gravidez indesejável.
Em 1994 o governo da Califórnia entrou em pane ao verificar que, naquele ano, nasceram 28 mil crianças de mães que eram menores de idade e que não queriam ser mães. Em vista disso, aquele estado lançou um programa de "ataque aos homens" que engravidaram aquelas meninas (Tony Perry, "Getting Tough on Teenage Pregnancies", Los Angeles Times, 07-01-96). Essa estratégia foi adotada ao se verificar que cerca de 80% dos pais, no caso, eram maiores de idade e muito mais velhos do que as meninas, ficando para as mães e para o Estado a tarefa de arcar com o resultado dos seus abusos.
Os dados do Brasil nesse campo são precários mas dão para sentir que a situação é alarmante. Em 1990, foram registradas nos cartórios cerca de 2,4 milhões de crianças. Destas, cerca de 770 mil eram filhos de mães solteiras (IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1990). Foi um número espantoso.
Mais grave do que isso foi saber que cerca de 150 mil crianças registadas na época eram filhas de mães que tinham menos de 18 anos. Na verdade, esse número foi maior pois, como se sabe, há muita criança que fica sem registro por longos anos. é bem provável que o fenômeno tenha atingido umas 180 mil crianças.
Os dados não permitem saber a idade dos pais que engravidaram essas 180 mil meninas. O que se consegue é uma mera aproximação. Eles mostram que, naquele ano, as 180 mil meninas foram engravidadas por cerca de 112 mil homens maiores de idade e bem mais velhos do que as adolescentes. Destes, 68% eram solteiros e 31% de estado civil desconhecido. Cerca de 1,5% eram homens casados que se dispuseram a registrar a criança em seu nome - coisa rara!
Há firmes evidências de que a grande maioria das mães menores de idade são engravidadas por pais maiores e bem mais velhos e que, portanto, são responsáveis perante a lei. Não conheço os detalhes do projeto Jobim. Mas, talvez seja o caso de se reforçar os controles junto a esses homens adotando o mesmo slogan que está sendo usado na Califórnia: "Não abuse das meninas menores de idade porque você vai para a cadeia".
O leitor deve estar pensando: Está aí mais uma utopia num país em que, sabidamente, pouca gente vai para a cadeia. Nem vagas existem para mais presidiários. Esse argumento é realista. Mas é também derrotista. A sociedade não pode capitular diante do ilícito. Ela deve sempre procurar a estratégia mais adequada para combater o crime, a violência e o abuso.
Não é justo fazer proliferar a prática de criança gestar criança. é necessário arrochar os controles em cima dos homens mais velhos para atenuar o problema do lado das meninas. Isso não dispensa, é claro, a assistência direta ao menor e ao adolescente. Mas adiciona um controle específico em cima dos homens, ou seja, sobre a demanda. Mais uma vez, ao se conter a demanda vai se controlar a oferta.
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