Publicado em O Jornal da Tarde,14/02/1996
A regulação da maconha
Ao apoiar a discriminilização da maconha, em 1996, a Dra. Ruth Cardoso trouxe à público uma controvérsia que domina grande parte da literatura sobre a "economia da proibição". Autores de peso defendem e atacam com a mesma veemência o uso de controles sociais para combater o uso de drogas na sociedade moderna.
Mark Thornton (The Economics of Prohibition, University of Utah Press, 1991) apresenta um balanço bastante objetivo das posições pró e contra a criminalização dos entorpecentes.
Os que defendem a proibição argumentam que o combate policial e judicial é imperioso porque consumo de drogas causa danos à saúde; produz doenças; aumenta as despesas do governo; reduz a produtividade; aumenta o absenteísmo; induz comportamentos irresponsáveis; estimula a violência e alimenta o crime. Assim sendo, as penalidades, multas, confisco, condenação e prisão devem ser intensamente utilizadas para desestimular o uso das drogas.
No outro extremo, estão os que argumentam que a proibição reduz, quando muito, a oferta das drogas ao tornar mais difícil a vida dos produtores, tendo pouco efeito sobre a demanda pois não existe uma proibição capaz de mudar o gosto ou a renda dos usuários. Para esses economistas, o eventual sucesso da proibição tem altos custos para a sociedade (direto e indireto) tais como as despesas com a polícia, justiça e outros mecanismos de coerção. Há também a inibição de políticas públicas que não podem ser implementadas pelo fato dos recursos terem sido alocados no combate às drogas. Se, por outro lado, o governo decide aumentar os impostos para cobrir as despesas com a proibição, o povo passa a ter menos dinheiro para comprar alimentos, tratar da saúde e educar as crianças.
Os que assim pensam, argumentam que os custos da proibição ultrapassam em muito os benefícios que se obtém o que os leva a defender a discriminalização e propor políticas de comercialização em farmácias do governo, licenciamento e credenciamento de pontos de vendas, taxação, regulação, etc. o que evitaria o mercado negro, a violência, a criminalidade e a corrupção.
Essas teorias têm ganho grande espaço na literatura econômica, mas são poucos os países que tiveram coragem de implantá-las. Apesar disso, vale a pena examinar o que ocorreu em quem as usou.
A Holanda, por exemplo, adotou políticas de tolerância às drogas em meados dos anos 70. O objetivo era o de reduzir o uso através de um relaxamento da criminalização. As drogas passaram a ser vendidas em farmácias, bares e cafés a usuários devidamente identificados.
Entretanto, essa política, apesar de ter ampliado a comercialização e o uso das drogas, não conseguiu acabar com a corrupção, crime e violência. Na verdade, o País se transformou em polo de atração turística para jovens interessados em comprar, legalmente, até 30 gramas de maconha e usar drogas nas ruas. Grupos de traficantes internacionais passaram a usar a Holanda País como base de comercialização e até mesmo de exportação de drogas.
No ano passado, o governo da Holanda propos uma mudança na legislação visando: (1) proibir o uso de drogas nas ruas; (2) impedir o "turismo de drogas"; (3) reduzir o número de pontos de vendas de drogas; (4) diminuir para 5 gramas o limite máximo para a maconha; e (5) rejeitar por completo a legalização das drogas.
Como se vê, na prática, a teoria é outra. A Federação Holandesa de Grupos Drogados (sim, isso existe lá!) vem fazendo uma cerrada oposição ao referido projeto de lei dizendo que o governo está tratando os drogados como criminosos. Eles querem que as drogas continuem discriminalizadas, defendendo a mais ampla liberdade para os usuários pois, assim fazendo, diminuirá a busca do proibido.
O tema, sem dúvida, é polêmico. Não há acordo nem mesmo entre os especialistas. Mas, uma coisa é certa. A generalização da discriminilização para qualquer situação é um grande tiro no escuro. Aliás, a própria Dra. Ruth Cardoso deixou claro que, no Brasil, a discriminilização só poderia ser implantada depois de tomadas outras providências e resolvidos vários problemas no campo social. Tenho a impressão que ela se referiu à abolição do analfabetismo, à melhoria da educação, à oferta de trabalho digno, ao trato da saúde, à assistência à criança abandonada e inúmeras outras medidas para as quais o governo não tem disponibilizado recursos e competência administrativa.
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