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Publicado no Jornal da Tarde, 03/03/2004

A patologia do jogo

Cada um de nós tem entre seus familiares e amigos alguém que se aproximou demais do álcool, fumo, droga, jogo, televisão ou Internet. Eu mesmo tenho uma contraparente que perdeu tudo o que tinha nas máquinas de caça-níqueis e nas mesas de bingo. No começo, usava parte dos recursos reservados para a despesa da casa. Mas adiante, começou a tomar dinheiro emprestado. Após a morte do marido, vendeu o carro para continuar jogando. No final, hipotecou e perdeu sua única casa.

O jogo patológico é uma tragédia humana. É sobre ele que desejo escrever. Nada tem a ver com a recreação.

Em relação à droga, o jogo guarda semelhanças e diferenças. Quanto às semelhanças, jogadores e drogados são compulsivos, não conseguem parar. São progressivamente garroteados pelo vício. Quando às diferenças, o hábito do jogo é escondido, enquanto que o da droga é visível, pois as pessoas têm de manipular agulhas, cheirar entorpecentes, fumar maconha, - caindo adormecidas - tudo de maneira muito visível.

Quem joga cartas, bingo ou caça-níqueis, andam nas ruas e freqüentam os ambientes sociais sem sinais aparentes. Mas, em ritmo homeopático, sofrem devastações financeiras. Os jogadores compulsivos gastam mais do que os drogados. Ademais, não percebem que são viciados e, para eles, há muito menos apoio da comunidade do que para os que usam drogas.

Os dependentes do jogo não são magnetizados pelo dinheiro, mas sim pela ação de jogar. Para um jogador, estar jogando proporciona uma espécie de orgasmo, um estado de excitação, parecido com a entrada em alfa dos usam cocaína. O que dá prazer é o ato de jogar e não o resultado da jogada. É isso que os leva às catástrofes econômicas.

De todas as formas de jogo, as mais terríveis são os caça-níqueis, os vídeo-games e as mesas de bingo e carteado. Elas eqüivalem ao "cracker" do mundo da droga: viciam rapidamente, criam a compulsão e seguram o viciado dentro da emboscada pelo resto da vida - se nada for feito em contrário. Bem diferente é a situação dos que jogam em corridas de cavalo ou apostam em galo de briga. Nestes casos, a compulsão é interrompida pelo tempo que dá oportunidade para repensar, significando um descanso nas perdas monetárias. Nos casos anteriores não. Quanto mais a pessoa joga, mais quer jogar.

O jogo tornou-se também um problema trabalhista. Muitos empregados não vêem a hora de sair do trabalho para se atirar numa casa de bingo ou na frente de uma máquina que vai destruir suas finanças, rebaixando sua produtividade enquanto a hora não chega e depois de noites mal dormidas.

A maioria dos jogadores não têm consciência de serem portadores de um distúrbio emocional. Por isso, não cogitam de solução do seu problema. Os especialistas no assunto, porém, dispõem de testes simples para diagnosticar a patologia. Nas questões abaixo, se você responder "sim" a duas ou mais questões, procure um psiquiatra pois você foi laçado pela compulsão de jogar.

Hábitos de jogo

Sim

Não

Você usa o jogo para aliviar tensão ou esquecer certos problemas?

   

Você tem dificuldade de parar de jogar, esteja ganhando ou perdendo?

   

Você costuma apostar mais do que você planejava?

   

Você tem negligenciado alguns deveres familiares ou no trabalho por causa do jogo?

   

Você se sente irritado toda vez que tanta parar de jogar?

   

Você já prejudicou algum relacionamento importante por causa do jogo?

   

Você já tomou dinheiro emprestado para aliviar suas dívidas ou para continuar jogando?

   

Fonte: Suzanne Grauper, San Diego Center for Pathological Gambling, 2004.

Além dos determinantes emocionais, o jogo patológico é detonado na presença de fatores de risco. Alguns estão ligados à iniciação, em especial as amizades - para não dizer as inimizades. Outros estão ligados à sustentação, como é o caso das facilidades proporcionadas pela comunidade.

É claro que os que têm propensão para esse tipo de conduta vão até inventar alternativas para jogar. Mas um país não pode manter políticas públicas para apoiar e estimular as pessoas a perpetuarem a patologia de jogar. Esse é o caso da imensa rede de bingos e caça-níqueis que estão na ordem do dia assim como as formas mais brandas, mas não menos perniciosas, que transformaram o Brasil num grande cassino: lotos, jogo do bicho, raspadinhas e tantas outras. Na verdade nosso país precisa investir em instituições e profissionais para ajudar os dependentes do jogo a sair dele e não para ficar nele. Esperemos que seja essa a decisão do governo.