Publicado no Jornal da Tarde, 28/06/00
A soneca no trabalho
José Pastore
Em 1970-71, como consultor da ONU, trabalhei em Sevilla, na Espanha. A primeira coisa que me explicaram foi o horário de trabalho: das 10:00 às 14:00 hs. e das 17:00 às 20:00 hs. Reforçaram também a importância de se respeitar a siesta, depois do almoço.
Nos primeiros dias, minha mulher e eu esticávamos num sofá da sala, de roupa e tudo, e com sapato. Rapidamente, porém, aprendemos que o ritual era mais sério e envolvia fechar as janelas, escurecer a casa, vestir camisola e pijama, entrar por debaixo das cobertas, e tirar um belo sono entre 15:00-16:30 horas.
Não foi difícil adquirir o novo hábito. No mural do escritório eu lia todos os dias os famosos dizeres de Winston Churchill: "Todos precisam dormir algum tempo entre o almoço e o jantar. Por isso, tire as suas roupas e entre na cama. Isso é o que eu faço todos os dias. Não pense que trabalho menos por causa dessa pausa. Ao contrário, volto às atividades, com disposição redobrada e faço muito mais".
Voltando à vida frenética de São Paulo, abandonei o prazeroso vício. Isso foi em 1971. Hoje, a literatura sobre a produtividade do trabalho está repleta de estudos mostrando as vantagens da soneca depois do almoço. Como Churchill, esse foi também o hábito de gente bastante ocupada tais como Napoleão Bonaparte, Albert Einstein, Thomas Edison, John F. Kennedy e Ronald Reagan. Bill Clinton, igualmente, não dispensa uma cochilada.
Convencidas sobre a melhoria da produtividade, muitas empresas dos Estados Unidos, Europa e Japão estão adotando o sistema. Estive na China no início deste mês, e vi meus colegas de universidade e vários burocratas usando esse sistema. Um livro recente recomenda que a soneca deve ser encarada como um exercício diário pois o corpo humano está programado para se tornar sonolento depois do almoço (James B. Maas, Power Sleep, Villard Books, 1998).
As pesquisas revelam que, depois de um descanso no meio da jornada, as pessoas se tornam mais atentas, os acidentes diminuem e a qualidade do serviço aumenta. A NASA recomenda aos pilotos dos vôos transoceânicos, uma soneca de 30 minutos para elevar a atenção e reduzir as falhas humanas.
Há dois tipos de soneca: a rapidinha e a prolongada. A primeira, de 15-20 minutos, tem a função de restaurar energias. A segunda, de mais de uma hora, visa compensar déficits de sono. Aqui, o problema é outro. O sono prolongado gera mal-estar que mais atrapalha do que ajuda.
Por isso, os especialistas aconselham dormir (pouco) e acordar sempre na mesma hora e, se necessário, usar o velho despertador. A soneca deve ocorrer, preferivelmente, oito horas depois do despertar da manhã, mesmo nos dias em que a pessoa não sinta muita vontade de dormir.
Como tudo na vida é questão de moda, o leitor pode estar achando que estou me aproveitando do Jornal da Tarde para difundir mais um modismo. O assunto é sério e os estudos são convincentes. Muitas empresas estão colocando espreguiçadeiras nos locais do trabalho. Alguns sindicatos já colocam esse pleito nas pautas de reivindicação.
Lamento não poder seguir esse método pois, a irregularidade dos meus horários e a variação dos locais de trabalho me impedem de carregar na minha pasta um pijama gostoso vibrante e um despertador barulhento. Mas, nas raras vezes que tirei uma soneca, trabalhei melhor.
É irônico saber, porém, que a Espanha acaba de entrar na contramão da história. Entre as pessoas de 26-45 anos, apenas 16% fazem a siesta; na faixa de 46-55, são 22%; e na de 56-70 anos, 34%. Acho que pensarei duas vezes se, hoje, me chegar uma proposta de trabalho naquele país. Quero manter em minha mente a Espanha dos anos 70... |