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Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/06/1999

Preso por trabalhar demais

Faltam apenas seis meses para os franceses passarem a trabalhar apenas 35 horas por semana. A Lei 98-461, chamada Lei Aubry em alusão à Ministra do Emprego e Solidariedade (Martine Aubry) foi aprovada em 13 de junho de 1998, com o propósito de gerar mais empregos, e será aplicada à partir de 1º de janeiro do ano 2.000 para todos os que trabalham em empresas com mais de 20 empregados.

Patrões e empregados ainda estão inseguros quanto ao resultado da mudança. Afinal, o país reduziu a jornada em 1982 para 39 horas e o desemprego aumentou, tendo passado de 8% para 11%.

No caso atual, os empregados temem amargar fortes diminuições de salários e de tempo livre, em decorrência da redução da jornada por lei. As empresas têm condição de cortar 13 dias de férias que normalmente concedem aos empregados franceses, acima da lei, nos acordos coletivos. Aliás, isso já está sendo recomendado pelo patronato francês (CNPF, Il n'y a Pas de Temps a Perdre, Paris, 1998).

Os empresários estão preocupados com a manutenção de sua competitividade e com a permanência dos capitais estrangeiros no país, em especial, os americanos que, na França, respondem por cerca de 10% dos empregos atuais (Union des Industries Métallurgiques et Minières, 35 Heures, 35 Leurres, Paris, 1998). Dados recentes mostram que, só em 1998, mais de US$ 100 bilhões saíram daquele país em busca de ambientes menos regulamentados.

Com a União Européia, essas transferências são facilitadas dentro do próprio continente. Irlanda, Inglaterra e Holanda têm funcionado como pólos de grande atração de capitais estrangeiros.

A nova legislação está aprovada, mas a controvérsia sobre as 35 horas semanais impostas por lei continua acesa (Ministère de L'Emploi et Solidarité, 35 Heures: Idées pour Négocier, Paris, 1998; CNPF, Les 35 Heures en Questions, Paris, 1998).

Apesar disso, Leonel Jospin parece disposto a levar a nova lei muito a sério. Os primeiros sinais estão sendo dados pelo Ministério do Emprego e pelo Poder Judiciário. No último dia 12 de abril, Bernard Rocquemont, diretor da Thomson-RCM (fabricante de radares) recebeu uma multa equivalente a US$ 16,700 e foi preso por ordem de um tribunal francês porque um grupo de seus gerentes super-especializados trabalhou, no mês de março de 1999, mais do que o permitido por lei.

Mas o governo da França está usando não apenas a espora, mas também a cenoura. Para estimular acelerar a adesão à nova jornada, a lei concedeu isenção de impostos e encargos sociais às empresas que adotarem as 35 horas antes do ano 2000.

é claro que os cofres da seguridade social continuarão precisando dos mesmos recursos para sustentar os programas de seguro desemprego, saúde e assistência social. De onde virão esses recursos se as empresas que aderirem à nova jornada pagarão menos impostos e encargos?

Ao reduzir tributos e encargos, a nova lei forçará os que trabalham mais a pagar pelo custo dos que trabalham menos. Ou seja, embora em um estilo diferente do que ocorreu com o Monsieur Rocquemont, as pessoas serão punidas por trabalhar mais.

O novo estatuto não cria uma só hora suplementar de trabalho. Esse é um problema sério em todos os programas que pretendem gerar empregos através de legislação generalizada. Ah, que bom seria se os empregos pudessem ser criados por lei!

O desemprego da França é devido não aos empregos que são destruídos, mas à anêmica geração de novos postos de trabalho. Mensalmente, nos Estados Unidos, destróem-se muito mais empregos do que na França. Mas, gera-se uma quantidade maior do que é destruída.

O desemprego nos Estados Unidos é baixo porque a economia consegue gerar 370 mil novos postos de trabalho por mês - o que a França não consegue num ano. é isso mesmo: a proporção dos que são reempregados nos Estados Unidos (mensalmente) é doze vezes maior do que na França (Pascal Salin, Estado Francês Prejudica o Emprego, 1998).

Por isso, pouco se pode esperar da nova lei no campo da geração de empregos. Na melhor das hipóteses, ela conseguirá distribuir melhor o desemprego.

A redução da jornada de trabalho como estratégia de aumentar empregos tem pouco efeito quando adotada por lei de forma generalizada e obrigatória, e, menos ainda, quando embute elementos de subvenção e punição. Reduzir jornada dá certo, desde que livremente negociada.