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Publicado em O Jornal da Tarde,08/04/1999

Você usa bem o seu tempo?

Durante milênios - sim milênios - os seres humanos usaram o tempo como um bem escasso e inelástico. Eles trabalhavam na lavoura ou assistiam os gladiadores; cuidavam dos filhos ou consertavam a casa; almoçavam ou caminhavam.

Quando observamos a forma como usamos o tempo nos dias atuais - que mudança! Você já notou como cresce a capacidade de usarmos o mesmo tempo para fazer várias coisas simultaneamente?

Nas caminhadas matutinas, eu mesmo percorro os 6 quilômetros, passando da CBN para a Jovem Pan e a Eldorado o tempo todo para me atualizar com as notícias providas pelo rádio de ouvido.

Na academia, é comum ver malhadores que pedalam a bicicleta estacionária, folheiam a Caras, acompanham a novela, comem amendoim e tomam coca-cola.

Aliás, gente que anda, come e conversa nas ruas das grandes cidades não é novidade. Vê-se aos milhares no Viaduto do Chá em São Paulo.

Nas últimas décadas, o tempo, que era um ativo fixo, transformou-se em um bem elástico. O que outrora se fazia na base do isto ou aquilo, atualmente se faz na base do mais e mais (Geoffrey Godbey e outros, No Time to Waste, 1998).

Há uma outra mudança ainda mais interessante. Com a ajuda das novas tecnologias, aprendemos a multiplicar e acelerar o tempo. O computador, por exemplo, nos permitiu realizar muito mais coisas ao mesmo tempo.

Observe bem. Nos dias atuais, fazemos um cruzamento fantástico de atividades e velocidades. Usamos a caminhada para a saúde e a informação assim como praticamos o golfe para exercícios, lazer e contatos profissionais.

A velocidade e a brevidade passaram a ser características super-valorizadas em nossa cultura. O restaurante, que é uma invenção para nos dar maior satisfação, costuma ser julgado pela velocidade do atendimento. Além de boa comida, claro, é essencial servir e cobrar depressa.

A televisão que foi inventada para curtir o tempo saboreando lazer e cultura sem sair de casa, hoje em dia, é um verdadeiro rally de agilidade. A reputação dos entrevistados se baseia na sua brevidade. Para os reporters que me entrevistam, costumo dizer que os telejornais são os meios mais rápidos de conservar a nossa ignorância.

Apesar da extraordinária façanha de esticar o tempo, é paradoxal ver os seres humanos reclamando de falta de tempo, o tempo todo.

Na verdade, não é o tempo que se tornou escasso. Somos nós que não conseguimos fazer tudo o que aprendemos a fazer ao mesmo tempo. Não se trata de falta de tempo, mas sim de excesso e atividades simultâneas.

Essa capacidade de usar o tempo de maneira polivalente e multifuncional tem seus custos para os seres humanos. Um deles é a ansiedade por não poder fazer tudo o que desejam fazer. O outro é o stress que acompanha todo o repertório de atividades que as pessoas se põem a fazer. Há ainda os que são vítimas da maratona que estabelecem para si mesmos para fazer cada vez mais, em menos tempo.

Nessa "escalada de eficiência", será que os ganhos superaram as perdas?

Penso que tudo tem seus limites. O homem moderno está sendo desafiado a reaprender a usar o tempo. Ele tem de possuir um bom controle para dominar os seus impulsos de adicionar uma outra atividade naquela que já está fazendo. O homem moderno tem de aprender que pode fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas para o seu bem estar pessoal, é muito importante fazer bem e desfrutar cada uma delas.

Você também já deve ter visto gente que ouve o noticiário no rádio de ouvido e conversa com quem passa. Penso que uma das duas conversas não presta... O que você acha?