Publicado em O Jornal da Tarde, 24/03/1999
O custo da vida artificial
Você condenaria um médico que, a pedido de um paciente terminal em situação desesperadora, ministrou uma medicação que encurtou o sofrimento e o amparou na morte?
Pois esse é o caso que começou a ser julgado, nesta semana, no Tribunal de Justiça de Michigan, Estados Unidos.
O dr. Jack Kevorkian, há vários anos, vinha operando um aparelho de "suicídio assistido", destinado a pacientes desenganados que desejavam interromper a vida. Ficava a cargo deles apertar um botão que desligava a máquina, embarcando para o além.
Em novembro de 1998, o mesmo médico, que defende a idéia de ajudar as pessoas a morrer quando por elas decidido foi mais longe. Ele pediu para a rede de televisão CBS gravar em vídeo para o Programa de 60 minutos a cena na qual, na frente de toda a nação americana, deu um injeção letal em um paciente terminal que solicitou tal procedimento.
Com o seu ato, Kevorkian desejava ser pocessado, o que começou a acontecer. Se for absolvido, ele intenciona declarar o Estado de Michigan como uma zona franca para a morte assistida. Se for condenado, fará uma greve de fome até a morte para deixar registrado o seu protesto contra uma legislação que impede encurtar o sofrimento dos que sofrem e desejam morrer.
A morte assistida tem dimensões médica, jurídica e econômica.
1) Para muitos médicos, a missão fundamental da medicina é garantir a saúde do ser humano. Dentro dessa concepção, justifica-se deixar de ministrar tratamento a paciente terminal que em poucos dias de vida.
Na Holanda, por exemplo, a eutanásia é legalmente proibida, mas aceita entre médicos e pacientes.
Os médicos holandeses, entretanto, só ajudam os pacientes quando estes ssão mentalmente competentes e fazem o pedido de modo voluntário, repetidas vezes. Além do mais, um médico só assiste a morte depois de se aconselhar com vários colegas de profissão, buscando uma espécie de decisão colegiada. O dr. Herbert Cohen já assistiu a mais de 100 doentes na hora da morte.
2) O suicídio assistido abre debates também no mundo jurídico. Teses arrojadas estão surgindo. Nos Estados Unidos, o juiz Roger Miner, de Nova York, argumenta que o Estado não tem o direito de exigir continuação da agonia de uma pessoa quando a sua morte é iminente e inevitável. O magistrado Stephen Reinhart, da Califórnia, na mesma linha defende ser legítimo aos doentes terminais escolherem um morte digna e humana.
3) O debate entra também no campo econômico. A utilização dos procedimentos que levam à morte assistida precisa levar em conta a capacidade econômica de uma sociedade para cuidar de casos perdidos vis-à-vis à sua capacidade de cuidar de casos curáveis. Nas nações avançadas, onde as despesas para cuidar de casos terminais provocam verdadeiras catástrofes econômicas nas famílias, seguradoras de saúde e finanças públicas, o problema está se tornando cada vez mais sério.
Além das escolhas individuais, da ética médica, da cultura e da religião, o debate da eutanásia inaugurou um novo palco – o das políticas públicas
E no caso do Brasil? Aqui faltam leitos hospitalares e demais recursos para socorrer os que têm todas as chances de viver, em especial, crianças e chefes de família jovens.
Nessas condições, a dimensão econômica ganha uma relevância imensa. Isso tem levado muitos médicos brasileiros mais corajosos a argumentar que, em vista da precariedade de recursos do nosso sistema de saúde, não faz o menor sentido prolongar uma vida que está se perdendo (Affonso Resende Meira, "Vida Artificial na UTI", Revista época, 26/10/98).
Como se vê, o debate da eutanásia, que sempre foi analisado no contexto das escolhas individuais, da ética médica e do pano de fundo da cultura e da religião, inaugurou agora um novo palco – o das políticas públicas.
Mas a decisão não é fácil. Pessoalmente, acho injustificável negar vida aos que podem viver por causa dos dispêndios realizados com os doentes terminais que desejam morrer. Mas na hora de tomar uma decisão dessas para um parente querido, a minha racionalidade cai por terra e volto à estaca zero. E você leitor, o que pensa disso?
|