Publicado no em O Jornal da Tarde, 02/12/1998
Grampos no trabalho
O grampo criminoso colocado nos telefones do BNDES e Ministérios da Comunicações para rastrear as tratativas na privatização de empresas da Telebrás reabre a importante questão da invasão da privacidade no ambiente de trabalho.
O caso, evidentemente, constituiu uma grave violação à Constituição Federal. Mas a prática do monitoramento das atividades das pessoas no trabalho vem crescendo com uma velocidade meteórica.
Câmeras de tevê são instaladas em escritórios, bancos, supermercados, salas de cirurgia. Gravadores de voz são implantados para acompanhar conversas sobre cartões de crédito, contas bancárias, transações comerciais. Leitura ótica e fotografia automática são a praxe na entrada dos modernos edifícios, convenções, hospitais, etc. Controles de computadores são usados para saber quanto tempo os trabalhadores ficam sem trabalhar ao longo de um dia.
Os recursos eletrônicos são extremamente invasivos. Eles penetram em inúmeras áreas da vida dos trabalhadores, sem pedir licença e com grande facilidade.
Muitas dessas áreas são de propriedade exclusiva do trabalhador. O fato de ele vender o seu trabalho a uma empresa não dá a ela, automaticamente, o direito de frequentar áreas de sua intimidade que, muitas vezes, se sobrepõem às atividades do trabalho.
Embora todos os países assegurem em suas constituições e leis ordinárias o direito à privacidade, as nações variam bastante no modo de tratar esse problema no campo trabalhista.
Os recursos eletrônicos são extremamente invasivos – penetram em inúmeras áreas da vida dos trabalhadores sem pedir licença e com grande facilidade
Na França, onde os sindicatos desempenham um papel secundário, as limitações de uso de tecnologias eletrônicas para o monitoramento do trabalho são reguladas pela Lei da Liberdade de Processamento de Dados de 1978 e por emendas introduzidas no Código de Trabalho em 1992. Naquele país, os empregadores são obrigados a informar e consultar os trabalhadores ou as comissões de trabalho antes de implantar qualquer monitoramento.
Na Itália, onde os sindicatos desempenham um papel mais proeminente, além das restrições introduzidas no Estatuto dos Trabalhadores de 1970, o monitoramento no trabalho é assunto de negociação coletiva e já consta de inúmeros contratos coletivos de trabalho. Nada pode ser monitorado sem a aquiescência dos sindicatos.
Nos Estados Unidos, a Constituição e a Lei da Privacidade da Comunicações Eletrônicas de 1986 restringem o monitoramento. Mas a sua eficácia tem sido reduzida. Ademais, o assunto raramente é objeto de contatos coletivos, mesmo porque 14% da força de trabalho é sindicalizada e sujeita a tais instrumentos.
Surpreendentemente, portanto, os americanos são pouco protegidos nesse campo. Como posto de trabalho é entendido como de propriedade da empresa, os empregadores têm consultado muito pouco os seus empregados antes de instalar câmeras de tevê, gravadores de som e registradores de e-mails.
Esse vácuo de proteção parece prestes a ser preenchido. Nos últimos dez anos as ações indenizatórias na Justiça Civil começam a aumentar de forma preocupante, o que tem gerado um grande número de projetos de lei para regular a matéria de modo mais eficiente. (Lawrence E. Rothstein, Privacy or Dignity: Eletronic Monitoring at the Work Place, 1998).
Enquanto esses países buscam formas sofisticadas para controlar os intrusos na vida privada, entre nós, descobriu-se que, além dos grampos do BNDES e Ministérios das Comunicações, estavam também grampeados os telefones privativos do Dr. Bresser Pereira (quando ministro da Administração) e do próprio delegado da Polícia Federal que ora investiga grampos e trabalha discretamente numa salinha onde funciona a sede da interpol em São Paulo!
Quantos séculos teremos de esperar para começar a nos preocupar com a proteção da dignidade e privacidade dos trabalhadores para, então, poder trabalhar em paz?
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