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Publicado em O Jornal da Tarde, 21/10/1998

Lapso no ar

Nestes dias em que há tanta falta de emprego, estranhei a conversa de duas mocinhas que viajavam a meu lado no avião de São Paulo para Brasília.

Ambas se diziam desanimadas com o seu trabalho. As reclamações eram as mais variadas: A jornada é irregular. A atividade, pouco criativa. Os chefes prestam pouca atenção no seu trabalho. Etc., etc., etc.

Durante uma hora em que disfarcei estar lendo um livro, fui ouvindo a ladainha de cada uma, e procurando entender o seu drama. Afinal, não é porque falta emprego, que as pessoas devem se sentir plenamente satisfeitas com tudo o que fazem. A insatisfação no trabalho é um problema real e merece atenção.

Nenhum trabalho pode dar satisfação o tempo todo. Na verdade, poucas pessoas têm um relacionamento totalmente satisfatório com seus empregadores. Nunca as empresas utilizam todas as suas qualidades.

Isso gera frustrações. Por exemplo, você pode ser um grande piadista, mas isso tem pouca utilidade nas reuniões de marketing da empresa. Da mesma forma, você pode ser "fera" no tênis, porém, isso nada conta no momento em que a empresa se põe a cortar custos.

O quê fazer quando suas habilidades não são plenamente utilizadas? A regra de ouro é a de não alimentar, com a sua imaginação, os focos de frustração.

A satisfação no trabalho depende muito da capacidade para minimizar aquilo que o importuna, e maximizar aquilo que pode fazer você crescer. Para tanto, o seu senso de observação é essencial.

Por isso, antes de reclamar, faça uma boa análise da sua situação concreta. Identifique o que pode ser evitado, minimizado ou eliminado da rotina de trabalho. Procure descobrir as habilidades que são raras e que podem ajudar o seu desempenho. Prepare-se bem em cada uma delas. Ganhe competência. Descubra você mesmo as veias do crescimento. Entre firme. E entenda que, daqui para frente, esse será um processo contínuo.

No mundo do futuro, nossas responsabilidades vão crescer. O que era de competência do chefe, passará a ser de competência de todos. Cada um terá de ser mais criativo do que no passado. O sucesso no trabalho dependerá de muita imaginação, de capacidade de transferir conhecimentos de uma área para outra e de sair com novas soluções para problemas emergentes. Em suma, a satisfação no trabalho dependerá cada vez mais de uma interação inteligente entre o trabalhador e a organização.

Essas foram as palavras que passei àquelas duas jovens que, afinal, estão apenas começando a carreira e têm uma vida inteira para descobrir vários nichos de satisfação naquilo que fazem.

Depois desse papo, elas me pareceram mais animadas. Mas o desastre aconteceu quando eu disse: "Olhem ao seu redor. Vejam essas aeromoças que não têm hora para acordar e nem para dormir; que fazem sempre a mesma coisa; e cujos chefes estão ausentes. Mal podia eu imaginar que as duas eram também comissárias de bordo da empresa em que viajávamos...

Apesar do lamentável lapso, elas se disseram agradecidas, afirmando que mesmo em cima de um avião, dá para sair com soluções criativas o que, aliás, será essencial para a sobrevivência das empresas e dos empregos no setor de transporte aéreo.

A guerra de tarifas aéreas é enorme. Note, porém, que o preço dos aviões, peças e combustível é praticamente o mesmo para todas as companhias. Portanto, daqui para frente, o grande diferencial será o da qualidade dos serviços. As empresas e os empregos que sobreviverem nesse setor – e em vários outros - dependerão dramaticamente do empenho, capacidade e dedicação dos funcionários no trato com os passageiros e clientes, tanto em terra como no ar.