Publicado em O Jornal da Tarde, 23/09/1998
Tirando proveito dos inimigos
O que esse título lhe sugere? Esperteza? Maldade? Imoralidade?
Plutarco, filósofo grego, que entre os anos 75 e 95 depois de Cristo, viveu na Itália, parece ter bebido da mesma água que, muitos séculos mais tarde, iria ser tomada por Nicolau Maquiavel.
Partindo do princípio de que é impossível aos seres humanos não terem inimigos, ele argumentava que só lhes resta desenvolver suas habilidades para tirar proveito da sua situação.
Mas como fazer isso? Quê tipo de habilidades são essas? Na verdade, a receita de Plutarco desemboca em um precioso roteiro de regras morais, ilustradas abaixo.
1. Tendo em vista que os inimigos observam as nossas ações atentamente, diz ele, é importante estarmos atentos a nós mesmos.
2. Os inimigos estão sempre a espreita de nossos erros. Isso nos obriga a viver de modo virtuoso e irrepreensível, resistindo as facilidades e afastando a presunção.
3. A auto-vigilância nos ajuda a evitar desacertos e avançar em relação aos inimigos.
4. Quando os inimigos são concorrentes, o zelo deve ser redobrado. Assim fazendo, somos compelidos a nos aperfeiçoar continuamente. Com isso, desenvolvemos mecanismos automáticos de defesa que são instigados pelos próprios inimigos (Plutarco, Como Tirar Proveito dos Seus Inimigos, Ed. Martins Fontes, 1997).
Essa filosofia, que logo completará dois mil anos, prova que os inimigos nos são muito valiosos. Eles prestam serviços raros, que nem mesmo os amigos são capazes de prestar. Veja o engenhoso exemplo de Plutarco:
Um inimigo censurou o homem por ter mau hálito. Chegando em casa, este perguntou à sua esposa: por quê nunca me falou desse problema? A mulher, que era tão simples quanto casta, respondeu-lhe: "Pensei que todos os homens cheiravam da mesma maneira". Ou seja, ele precisou de um inimigo para saber o que nunca lhe foi ensinado pela pessoa mais amada.
As lições de Plutarco estabelecem as bases para a vida em regime de competição. Esse regime se fundamenta na liberdade, que é um dos valores mais apreciados pelos seres humanos. Mas ele envolve a permanente ameaça que é a situação mais detestada por todos nós. Liberdade e ameaça fazem parte de todas as atividades. Elas valem para o trabalho e para o amor.
O regime de concorrência, portanto, exige da nossa parte um zelo constante. Os concorrentes são impiedosos. Temos de observar muito bem a sua conduta e nos esforçarmos para viver em aperfeiçoamento contínuo.
Já foi o tempo em que as pessoas e as empresas precisavam tornar-se competitivas. Nos dias atuais, é inevitável que elas se mantenham competitivas. Este é um estágio mais avançado e maios difícil.
A concorrência se torna desumana quando as condições de partida são díspares como é o caso das diferenças de educação e capacitação profissional para os trabalhadores. e dos juros e tecnologia para as empresas.
Ainda assim os conselhos de Plutarco são de utilidade. No mundo da competição - e das inimizades - temos de aproveitar todos os sinais dos concorrentes para fazer avançar as nossas qualidades. Por isso, não convém desprezar censuras. Elas são didáticas para quem se dispõe a apreender.
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