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Publicado em O Jornal da Tarde, 29/07/1998

O cofrinho japonês

O Estado de S. Paulo publicou no dia 22/07/98 um interessante artigo de Jacob M. Schlesenger e David P. Hamilton ("Esforço para Quebrar o Cofrinho") argumentando que o maior desafio para o governo japonês no combate à crise atual é convencer os cidadãos a consumirem mais.

De fato, a capacidade de poupança da família japonesa é das mais altas do mundo. Em um domicílio em que apenas o chefe trabalha, poupa cerca de 18% dos rendimentos. Quando os dois cônjuges trabalham, a poupança ultrapassa a marca dos 30%!

Em 1997, a taxas de juros baixaram para menos de 1% ao ano com o objetivo de fazer os japoneses sacarem seu dinheiro da caderneta de poupança e colocarem no consumo. Resultado: eles passaram a poupar mais.

No início de 1998, o governo promoveu um gigantesco corte de imposto de renda, visando orientar o dinheiro economizado para a compra de bens e serviços. Resultado: mais poupança!

Conhecedoras do amor à poupança do povo japonês, as empresas de cartões de crédito esforçam-se para eles consumirem agora e pagar amanhã - uma estratégia vencedora nos Estados Unidos onde os americanos gastam 103% do que ganham, pendurados no dinheiro de plástico. No Japão, as compras com cartão são menos de 15% e os japoneses relutam em gastar hoje o que pode fazer falta amanhã.

Muitos atribuem esse "estranho comportamento" à própria crise e ao medo do desemprego. é claro que tudo isso pesa.Mas, a resistência ao consumo vem de muito longe.

O Japão sempre foi um País que prometeu pouco e esperou muito de seus cidadãos. Por exemplo, a política econômica desde o pós-guerra decidiu não subsidiar a aquisição da casa própria, o que forçou os japoneses a pouparem a vida inteira para, no final, comprarem uma casinha de 40 metros quadrados (média nacional).

Dispondo de tão pouco espaço, eles apreenderam a gastar pouco em móveis, eletrodomésticos de grande porte e até mesmo automóvel. Durante décadas, aquele povo adiou o consumo com vistas a fortalecer os investimentos pessoais básicos. Dentre eles, inclui-se também a poupança para reforçar a aposentadoria cujo valor é bastante reduzido.

O Japão é um país que tem uma longa história de guerras. A última delas, destroçou o seu sistema produtivo. Em 1945, o colapso do transporte era total. A alimentação, escassa e racionada. Muitos passaram fome. O reerguimento da nação exigiu um sacrifício colossal. A austeridade foi uma conduta obrigatória e se impregnou no "ethos" japonês.

Nas várias vezes que visitei o Japão sempre ouvi o seguinte: "Somos uma ilha superpovoada, com poucos recursos naturais. Por isso temos de nos unir, garantir a segurança alimentar, privilegiar o futuro em detrimento do presente e a poupança no lugar do consumismo".

A crise atual tem pouco a ver com a frugalidade dos hábitos dos japoneses em geral e muito mais com a ganância incontida que animou os especuladores do sistema financeiro a conceder US$ 500 bilhões de empréstimos que não podem ser pagos.

O principal capital do Japão continua sendo a sua fantástica capacidade de mobilizar uma gente bem educada e disposta a fazer grandes sacrifícios. Tudo indica que a saída dessa crise vai depender, outra vez, do esforço de quem menos tem responsabilidade por ela: o povo.