Publicado em O Jornal da Tarde, 21/12/1994
A solidão do natal
O Natal é um dia de alegria. Uma oportunidade para se trocar calor humano. Para estar junto dos que a gente gosta. Agradá-los. Presentes, carinho e intimidade.
Mas, quem pode desfrutar dessa união? Os dados mostram que diminui cada vez mais os que encaram o Natal como uma data de festa e de amor. Nesta era de intensa comunicação, paradoxalmente, cresce de modo exponencial o número de pessoas solitárias.
Comecemos pelos idosos. A humanidade assiste uma verdadeira explosão da população de idosos. No mundo, os que têm mais de 65 anos estão aumentando na base de 800 mil pessoas por mês! São quase 10 milhões de pessoas por ano! E, isso tende a acelerar. Esse grupo saltará dos 14% atuais para mais de 22% até o ano 2010.
A população mais velha vem crescendo há vários séculos. Mas, a novidade dos dias atuais é o seu rítmo meteórico de crescimento. O fenômeno já chegou no Brasil. A nossa população vem aumentando a menos de 2% ao ano. Mas, o grupo de pessoas entre 65-74 anos, aumenta à base de 3,2%; e os de mais de 75, 4% ao ano - o dobro da população em geral. A proporção de pessoas com mais de 60 anos que, em 1950, era pouco mais de 4% do total, hoje, ultrapassa os 8% e no ano 2010 será quase 12%.
No mundo desenvolvido, a vida média é bem mais alta do que no Brasil - sempre acima dos 70 anos (Ver Tabela 1). Mas, nos dois casos, ela vem aumentando aceleradamente.
Tabela 1
Vida Média em Países Selecionados, 1990
Países |
Homens |
Mulheres |
Japão |
76,4 |
82,1 |
Suécia |
74,7 |
80,7 |
Alemanha |
73,4 |
80,6 |
França |
73,4 |
81,9 |
Inglaterra |
73,3 |
79,2 |
Dinamarca |
72,6 |
78,8 |
Estados Unidos |
72,1 |
79,0 |
Brasil |
62,3 |
67,6 |
Fonte: Bureau of Census, An Aging World, 1992 e Laura Wong, O Futuro da População Brasileira, 1987.
No Brasil, há cerca de 12 milhões de pessoas com mais de 60 anos - 5 milhões de homens e 7 de mulheres. As mulheres vivem mais. Chegam perto dos 68 anos; os homens, 62.
O que isso tem a ver com a solidão do Natal? Muita coisa porque uma parcela crescente dos idosos está vivendo sozinha. No mundo desenvolvido, essa proporção varia entre 10% e 40%. Na Suécia, por exemplo, para cada 10 idosos, 4 vivem só (Ver Tabela 2).
Tabela 2
Porcentagem de Idosos que Vivem Sozinhos
em Países Selecionados
Países |
% |
Suécia |
40,0 |
Alemanha Ocidental |
38,9 |
Dinamarca |
38,3 |
França |
32,6 |
Estados Unidos |
30,5 |
Inglaterra |
30,3 |
Fonte: Bureau of Census, An Aging World, 1992.
Nesses países, as famílias tendem a se dispersar. Os jovens, casados e solteiros, mudam-se para longe na hora de trabalhar enquanto que, os de mais idade, permanecem imóveis no lugar onde vão envelhecer.
No mundo da velhice, as mulheres vivem mais sozinhas do que os homens. Além de viver mais, elas ficam viúvas com mais frequência e recasam menos do que o homem. Nessa fase da vida, é comum para ambos perderem seus cônjuges iniciando-se, assim, o tempo de isolamento. Para eles, o Natal é o mais solitário de todos os dias. A data lhes traz à mente muitas lembranças que não podem mais ser vividas.
Vejam a ironia. O mesmo homem que melhorou as condições de saúde e conseguiu prolongar sua vida, não sabe o que fazer com os dias que conquistou.
O idoso exige dois ingredientes cada vez mais raros no mundo atual: recursos e carinho. Os países ricos estão conseguindo prover o primeiro, mas não o segundo.
No campo econômico, há três modelos básicos para se transferir recursos para os idosos. No primeiro, a transferência é feita pela família, onde os familiares arcam com as despesas. No segundo, ela é realizada pela via dos mecanismos institucionais (previdência e assistência social) para os quais a sociedade rateia os custos. No terceiro, a transferência se dá com base nos recursos eventualmente acumulados pelo próprio idoso. Em outras palavras, os idosos dependem de parentes, do Estado ou de sua poupança.
Para o provimento do carinho, porém, nenhum modelo conseguiu superar a família. Mas, no mundo atual, quanto mais o idoso precisa de carinho, menos ele tem. A solidão aumenta com a idade. Nos Estados Unidos, por exemplo, 13% dos homens e 33% das mulheres do grupo entre 65-74 anos vivem sozinhos - com muito conforto, é verdade, mas com pouco carinho. Para a faixa de 75-84, isso aumenta para 19% e 53%; e para os que tem mais de 85 anos, sobe para 28% e 57%, respectivamente. São números fantásticos para um país rico, com tanto conhecimento e que não consegue encontrar meios para reduzir a solidão.
Quando os idosos não vivem sozinhos, eles se agrupam com outros idosos em casas de cômodos precárias ou em edifícios sofisticados, que diferem no conforto, mas se assemelham na solidão que produzem para os seus inquilinos.
Nos países menos desenvolvidos, o mais comum é o convívio dos idosos com filhos adultos e netos - nas chamadas famílias de três gerações. Na América Latina cerca de 72% dos idosos vivem nessas condições. Isso é melhor ou pior do que se vê no mundo desenvolvido?
Na literatura especializada, o modelo familiar - muito comum também na Ásia - foi enaltecido, durante muito tempo, por ser mais barato e mais humano. Mas, isso está mudando. A capacidade da família cuidar dos mais velhos reduz-se dia a dia. As famílias estão ficando menores, havendo menos gente para cuidar dos mais velhos. Além disso, a força de trabalho dos países em desenvolvimento também se tornou móvel - o que deixa para trás o idoso solitário.
O quadro de atendimento da velhice nos próximos 20-30 anos é extremamente preocupante. O Brasil possui cerca de 40 milhões de unidades domésticas. Destas, há cerca de 3 milhões de unidades nas quais as pessoas moram completamente sozinhas e isso é particularmente frequente entre os idosos. A Tabela 3 mostra que, entre as mulheres que vivem sozinhas, 44,5% têm mais de 60 anos.
Tabela 3
Pessoas que Moram Sozinhas no Brasil
(%)
Idade |
Homens |
Mulheres |
15-29 |
24,0 |
19,2 |
30-39 |
19,2 |
9,3 |
40-59 |
29,7 |
27,0 |
60 e + |
27,1 |
44,5 |
Total |
100,0 |
100,0 |
Fonte: Família: Indicadores Sociais, Fundação IBGE, 1989.
No modelo de atendimento familiar, a mulher tem um papel crucial. Ela é a principal fonte de cuidado e atenção para os idosos. Filhas e noras desempenham inúmeras tarefas de sustentação da saúde, atendimento da doença e distribuição do afeto. Mas, ultimamente, a proporção de mulheres (filhas e noras) que trabalham fora de casa cresceu muito. Isso afetou a sua capacidade de atender o idoso.
Ademais, o aumento da viuvez da mulher, das separações dos casais e das mães solteiras fez crescer o número de famílias chefiadas por mulheres. No Brasil, há quase 6 milhões de domicílios (17%) formados por mãe e filhos apenas. Este tipo de família tende a enfrentar graves dificuldades econômicas, constituindo uma parcela expressiva das famílias pobres. Nessas condições, está cada vez mais difícil para as filhas e noras abrigarem seus pais e sogros - sem falar nos outros parentes.
é verdade que, em muitos casos, os idosos ajudam no trabalho da casa e das crianças. Ainda assim, na repartição da pouca renda familiar, sobra pouco para atender as suas necessidades vitais de alimentação e medicação. Estudos recentes demonstram que, a maioria dos idosos que vivem nesse tipo de família estão bem abaixo da linha da pobreza e tendem a ser isolados da interação familiar.
A solidão é dura. Especialmente nos dias de festa: Natal, 1º do ano, aniversário, data de casamento, etc. Mas é isso que a vida moderna está reservando para todos nós.
Dizem que quando há saúde física, a solidão é contornável. Pura ilusão. Os dados da Tabela 4 indicam que o gosto pela vida diminui bastante quando se é esquecido na velhice. Em quase todos os países a taxa de suicídio entre os idosos é muitas vezes maior do que entre os jovens. No Japão, o número de suicídios entre os que têm mais de 75 é de 72 por 100.000 habitantes o que significa 10 vezes mais do que ocorre no grupo de 15-44 anos. Na França, esse número chega a 113 casos por 100.000! São pessoas que se cansam de viver só e deixam de tolerar a sua presença o tempo todo.
Tabela 4
Proporção de Suicídio entre Homens
(por 100.000)
Grupos de Idade
Países |
15-44 |
45-54 |
65-74 |
75 e + |
França |
15 |
44 |
55 |
113 |
Alemanha |
16 |
33 |
41 |
78 |
Dinamarca |
16 |
59 |
49 |
73 |
Japão |
10 |
41 |
39 |
72 |
EUA |
21 |
24 |
35 |
59 |
Suécia |
17 |
42 |
39 |
50 |
Inglaterra |
17 |
42 |
39 |
50 |
Fonte: Bureau of Census, An Aging World, 1992
O ser humano é iminentemente gregário. Ele não foi construído para ficar isolado - mesmo quando cercado de sons, imagens, pássaros, árvores e flores. Ele sempre busca a interação. O Natal é uma festa para quem consegue interagir. Para os demais, é um profundo tormento. Um dia de melancolia.
Desejo que o leitor esteja, como eu, no primeiro grupo. Somos felizardos. Bom Natal! Mas, o nosso destino é o mesmo. Temos de nos preparar para dias diferentes. Precisamos meditar sobre isso. Eu mesmo, só comecei a pensar mais seriamente sobre o tema em 1994 pois, o ano de 1995 marcaria a chegada implacável dos meus 60 anos. Sexagenário! Eu entraria no grupo que acabara de analisar.
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