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Publicado em O Jornal da Tarde, 11/03/1998

A sua empregada é invisível?

Como definir uma boa empregada doméstica? Honestidade e conhecimento do serviço são suficientes?

As empregadas trabalham mergulhadas na intimidade de seus empregadores - sua família - um posto de observação privilegiadissimo. Dali, elas adquirem profundos conhecimentos sobre as virtudes do casal, seus desajustes e conflitos e os destemperos dos familiares.

As empregadas conhecem fatos que ninguém conhece. Quando conversam entre si, elas descrevem com detalhes impressionantes os traços de personalidade, hábitos, gostos, idiossincrasias e segredos dos patrões.

No entanto, a sociedade define para as empregadas um papel contraditório. Apesar dos seus ricos conhecimentos, a boa empregada é aquela que aparenta ignorar tudo o que sabe, eximindo-se de reagir perante os comportamentos dos familiares. Espera-se que ela fique longe da intimidade que vive e aja como cega, surda e muda.

Numa festinha de aniversário, por exemplo, a boa empregada tem de saber entrar e sair das rodas sem se apresentar como pessoa - pois a sociedade a define como "não-pessoa". Ninguém gosta da empregada metidinha, que se põe a dar palpites onde não é chamada e muito menos daquela que comenta a céu aberto as intimidades dos donos da casa. O uniforme já a caracteriza como não pertencente à maioria, e assim se espera que ela se comporte.

Raramente as empregadas ganham o correspondente à sua habilidade dramatúrgica. Nas regiões metropolita-nas, o salário médio é de apenas R$ 160,00 por mês. Então, como é pago o seu teatro? Como é mantido o seu valioso silêncio?

As pesquisas mostram que a maior compensação das empregadas domésticas repousa no conhecimento que possuem da privacidade dos patrões. Com base nisso, elas desenvolvem uma espécie de proteção. Veja o que diz uma delas:

"No início, eu tinha muita inveja das coisas que eles possuíam. Depois de observar bem a vida daquele casal, conclui que os bens materiais nada tem a ver com o seu bem estar. Eles dormem na mesma cama, mas o seu isolamento é tão grande que, muitas vezes, eu sou usada para transmitir suas mensagens. Conversando com minhas colegas, verifico que isso é regra geral. Posso afirmar com certeza: a maioria dos patrões não é feliz" (Judith Rollins, Invisibility among Black Domestic Workers, 1996).

Esse conhecimento das fraquezas humanas ajuda as empregadas a desenvolver um auto-respeito, o que lhes dá uma proteção psicológica para desempenhar um papel tão contraditório. Muitas se sentem acima dos empregadores. Numa rodinha de colegas, é comum se deliciarem ao imitar com desdém, cinismo e humor-negro as besteiras de seus patrões, deixando-os verdadeiramente nus perante a platéia. O domínio da intimidade dá a elas um sentimento de poder, à despeito de exercerem uma profissão destituída de poder.

Pense bem nas empregadas que você já dispensou. Aposto que eram moças que, em lugar de cegas, denunciaram ter visão. Ao invés de mudas, exibiram seu poder de fofocar. E, nas ocasiões em que deviam ter sido invisíveis, tornaram-se inoportunas. Acertei ou errei?