Publicado em O Jornal da Tarde,14/06/1997
A sociedade indecente
Desde 1990, o Brasil passa por uma onda contínua de escândalos e denúncias de corrupção. A isso se somam a violência urbana e rural, a criminalidade e atos de extrema maldade como a queima de índios e mendigos.
Tudo isso recheia os noticiários diários da CNN, New York Times, Le Figaro, Daily Telegraph, Corriere della Sera, Tokyo Shinbum e denigre a imagem do Brasil no exterior.
Avishai Margalit acaba de publicar um livro provocativo sobre a humilhação (The Decent Society, Harvard University Press, 1996). Para ele, a humilhação maltrata as pessoas porque fere a sua respeitabilidade. Não se trata de um mero sentimento psicológico, mas de condições objetivas que reduzem o auto-respeito. Nos dias atuais, uma das formas mais graves de humilhação é a deterioração da imagem.
A humilhação é um mau trato intencional ou não. Mas ele é sempre provocado pelos seres humanos. Um animal pode nos ferir mas nunca nos humilhar. As sociedades indecentes são caracterizadas por humilhações fortes e repetidas. Inversamente, o traço básico da sociedade decente é o respeito aos cidadãos.
Não há decência sem civilidade. Se alguém comparecer bêbado no funeral do seu irmão ou ler propositadamente a sua correspondência, você vai se sentir desrespeitado, humilhado.
Quais são os remédios para a humilhação? Os mais comuns são a punição, a desculpa pública e a revanche. No caso do Brasil, os três são de difícil aplicação. A maioria dos corruptos não chega a ser condenada. E, dentre os poucos condenados, ninguém devolve o dinheiro que pilha.
Desculpa pública, nem pensar. À exemplo dos demais delinqüentes, os corruptos negam até o fim a prática dos seus delitos, por mais escancarados que sejam. Malandro não pede desculpas.
O único remédio disponível é o da revanche que, no caso dos eleitores, se materializa na negação do voto. Essa é a oportunidade que têm para devolver um pouco dos maus tratos recebidos daqueles que deveriam cuidar da respeitabilidade do povo.
Além desses remédios, resta a prática do avestruz. A fuga é uma maneira para compensar o estrago do auto-respeito. Mas, para ser eficaz, essa fuga tem de contar com rituais e simbologias capazes de levantar a respeitabilidade de cada um.
Em uma sociedade, dentro da qual legiões se sentem humilhadas e rejeitadas, é compreensível a proliferação de tantas mesas-brancas, igrejas universais e cursos de auto-estima que, em última análise, visam enaltecer e revigorar o respeito mútuo entre as pessoas.
O Brasil não pode permanecer disputando o torneio das sociedades indecentes e que humilham os seus povos. Chegou a hora do basta. E temos de fazer isso dentro da democracia, fortalecendo a educação, a polícia e a justiça.
A reforma dessas instituições é das mais urgentes. Sem ela, será impossível realizar as demais. Pense bem. Como reformar a previdência, as leis trabalhistas, os tributos e o Estado se os seus agentes insistem e conseguem humilhar o povo perante todo o planeta - sem nada lhes acontecer?
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