Publicado em O Jornal da Tarde, 26/10/1994
O sucesso do "Aqui Agora"
Não sei se isso acontece com você, leitor. Mas, comigo é batata: toda vez que tenho de mandar alguma coisa para consertar, me dá um frio na barriga; fico irritado e acabo passando pelo maior nervoso. De um lado, é o preço exorbitante que cobram para reparar uma geladeira, uma porta de correr, um fogão, um ar condicionado ou um automóvel. De outro, é a falta de segurança do conserto realizado e a grosseirice da maioria dos reparadores.
Quando se trata de uma firma estabelecida, dessas que dão "90 dias de garantia" você perceberá que, na verdade, serão três meses do mais doloroso martírio. No caso de reclamação, demoram para atender; levam um tempão para reparar o mal feito; e, muitas vezes, quebram o que estava bom. Tudo isso come uma boa parte da tal garantia o que inviabiliza um eventual retorno - outra tortura.
Quando se trata de um autônomo, desses encanadores, serralheiros, mecânicos ou eletricistas do mercado informal que dão a famosa garantia de boca - "qualquer problema, é só chamar!" - o desespero é igualmente alucinante. Na hora do vamos ver, eles ignoram o que fizeram como os que praticam um assalto esperando nunca mais ver a vítima. Quando se dignam a atender, enrolam o mais possível. E quando fazem alguma coisa, não dão a menor segurança de que consertaram o estava quebrado. Para evitar novo chamado vão logo sugerindo trocar o aparelho na base do "está muito velho"; "o senhor não teve sorte"; "já não se faz bons produtos como antigamente"...
é isso que causa os meus calafrios. é verdade que, depois do Código de Defesa do Consumidor, as coisas melhoraram um pouco. Mas, o uso do Código implica em entrar em choque com o reparador e gastar muito tempo, dinheiro e sistema nervoso - o que acaba estragando a saúde do mesmo jeito. é o caminho da confrontação.
Como é a coisa no Primeiro Mundo? Nas sociedades mais avançadas, as empresas procuram conquistar os clientes não apenas pela via do preço e da qualidade dos produtos que vendem mas, sobretudo, pela excelência dos "serviços depois da venda". Ao contrário do Brasil, a venda não termina no ato de entrega do bem ou serviço e recebimento do dinheiro. Isso é só o início. A venda é um processo de longa duração que só vai terminar depois de muitos anos de satisfação e quando o cliente decidir trocar o produto por obsolescência ou vontade de mudar.
O que vale para os produtos vale também para os consertos. O teste para medir a satisfação do cliente é saber se ele compra outro produto da mesma marca ou contrata o mesmo serviço nas próximas oportunidades. A Toyota, por exemplo, tem como meta que um proprietário de um Lexus venha a substituir o seu automóvel por outro Lexus, pelo menos, três vezes. De fato, dois terços dos compradores de Lexus já tiveram um Lexus antes dessa compra.
Para se chegar a esse ponto, o nome do jogo é "bom atendimento". Sim, porque são muitas as empresas que conseguem fazer bons produtos e prestar bons serviços. O que as distingue nos dias atuais é a qualidade do tratamento que dispensam aos seus clientes na hora da assistência técnica.
Até pouco tempo, as empresas do Primeiro Mundo trocavam o produto ou devolviam o dinheiro imediatamente para o cliente insatisfeito. Hoje, elas fazem de tudo para evitar a insatisfação por saberem que o cliente descontente não volta a comprar o mesmo produto. Os estudos mostram que, em cada 100 clientes insatisfeitos, 96 vendem ou devolvem o produto e relatam a sua insatisfação para 20 outras pessoas - em média.
Ou seja, 96 clientes insatisfeitas minam a vontade de 1.920 compradores potenciais! Esse é um estrago devastador para as empresas e para seus negócios futuros. Por isso, pouco adianta aceitar devolução ou retornar o dinheiro. O importante é evitar a insatisfação, conter o nervosismo do cliente e afastar os aborrecimentos.
Enquanto isso, nós aqui no Brasil, temos de nos virar com o escandaloso programa de TV "Aqui Agora" e o burocratizado PROCON, que dão tanta dor de cabeça quanto a insistir em uma assistência técnica civilizada.
Tudo isso decorre da anemia do nosso mercado e da falta de concorrência. Para se chegar aos padrões do Primeiro Mundo teremos de aumentar muito a produção, melhorar a qualidade dos produtos e, sobretudo, fazer um enorme "up-grading" na nossa assistência técnica. Isso envolve investimentos e educação. A estabilização da moeda deverá ativar os investimentos. A educação dirá o que fazer com eles.
Temos um longo caminho pela frente, sem dúvida. Mas, como toda grande caminhada, ela só será vencida quanto mais rapidamente dermos o primeiro passo. Afinal, por maior que seja o seu sucesso, não poderemos viver eternamente na base dos PROCONs e dos "Aqui Agora"...
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