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Publicado em O Jornal da Tarde, 21/04/1999

Família e seguridade social

As sociedades sempre dispuseram de mecanismos para cuidar dos desempregados, doentes e velhos. No passado, isso era feito pela própria família.

Esse modelo foi abalado por duas importantes transformações. A primeira diz respeito à forte redução do tamanho da família. A segunda refere-se à entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho.

1. No Brasil, ficou para trás a "família extensa", composta de marido, mulher, filhos e agregados. Hoje, em 80% dos domicílios onde há a presença do homem e da mulher, predomina a "família nuclear" - o casal e um pequeno número de filhos - o que diminuiu a capacidade da família atender os desempregados, doentes e idosos.

2. Nos últimos 15 anos, entraram no mercado de trabalho do Brasil mais de 12 milhões de trabalhadoras. Na década de 60, a proporção de mulheres que trabalhavam fora de casa era de 23%; hoje, ultrapassou a casa dos 42% - o que significa 30 milhões de mulheres. No passado, as mulheres-trabalhadoras, em sua maioria, eram jovens, solteiras e sem filhos. Atualmente, são mulheres mais velhas, casadas e mães.

Portanto, além de poucos membros, a família moderna conta com menos mulheres em casa (filhas e noras) que têm um importante papel no atendimento dos doentes e idosos. Isso inviabilizou o modelo de seguridade social familiar.

A outra maneira de atender os necessitados é através de transferências do Estado (seguridade social). Esse modelo também foi inviabilizado. O Brasil possui 57% de pessoas que trabalham no mercado informal, que usam os serviços da seguridade social e, no entanto, nada contribuem para ela. O número de idosos dependentes cresce muito mais depressa do que o de jovens que podem contribuir. A conta entre receita e despesas não fechará nunca.

Tudo indica que a família moderna não vai retroceder aos tempos da família extensa e que a mulher não vai parar de trabalhar fora de casa, o que nos coloca diante da necessidade de pensar seriamente em novas formas de atendimento ao desemprego, à doença e à velhice.

Para fazer a travessia entre o sistema de seguridade atual (de repartição simples) para um sistema mais auto-sustentável (de capitalização),no qual os desempregados, doentes e idosos contam com sua própria poupança, alguma medida precisa ser tomada para viabilizar o recolhimento de recursos desse imenso mundo de trabalho informal que domina o Brasil.

Por um bom tempo, o Brasil ficará distante de um sistema de previdência inteiramente privada - se é que isso aconteça algum dia. Nessa interinidade, parcelas expressivas do mercado informal terão de ser gradualmente incorporadas no mercado formal, mas em outras bases. No modelo atual, a entrada no mundo da legalidade implica no pagamento de um pedágio de 102% de despesas sobre o salário contratado a título de encargos sociais o o que é oneroso e inflexível.

Por isso, é imperativo pensar-se numa séria e urgente reforma das leis trabalhistas que viabilize uma formalização com menos despesas. Afinal a seguridade social não pode continuar atendendo tantas pessoas que nada contribuem para os seus cofres. A inércia no campo das reforma trabalhista é um verdadeiro suicídio que não pode ser perpetrado. Essa reforma é tão urgente quanto a tributária, a política e a judiciária.