Artigos 

Publicado em O Jornal da Tarde, 27/09/1997

Viver muito ou viver bem?

A morte gera muitos negócios. No Brasil, um enterro de classe média não sai por menos de R$ 3.000. Nos Estados Unidos, os americanos têm de aprontar, no mínimo, US$ 9,000 e no Japão, o equivalente a US$ 15,000.

Além de caro, o mercado da morte está se sofisticando muito. Na Europa existem agências funerárias especializada em ecologistas. Atendendo a sua vontade, a preparação do corpo é feita dentro de padrões que protegem a natureza, evitando-se o uso de produtos poluidores ou cremação.

Na Inglaterra há agências funerárias nas quais as embalsamadoras são todas mulheres e atendem apenas mulheres. Não é piada. São profissionais que preparam o corpo de falecidas que nunca foram tocadas por outro homem (além do marido) e que desejam continuar assim. Tais agências proporcionam essa continuidade (The Independent, 14-06-97). é muito luxo... para não dizer outra coisa...

A morte é também um bom negócio para quem lida com ela um pouco antes de acontecer - os hospitais e os profissionais da saúde. Com as novas técnicas, eles conseguem prolongar a existência por muito tempo, levando as famílias e as seguradoras a desembolsarem monumentais quantias para manter uma pessoa que não tem mais vida e que a medicina impede de entrar na morte.

é claro que, nesse campo, há complexos problemas de ética médica. Mas, há uma dimensão econômica: é mais racional maximizar longevidade ou qualidade de vida?

Para quem pode pagar, talvez esse dilema nem exista, pois a resposta é ambos. Mas, no terreno da saúde pública e com escassez de recursos, a escolha é impositiva.

Como escolher? A idade pode ser um guia. Quando se trata de jovens, a lógica sugere investir na longevidade. Afinal, eles trabalham e são produtivos. Vale a pena mantê-los vivos ainda que em condições sub-ótimas.

Quando se trata de uma pessoa idosa, a mesma lógica sugere investir na qualidade de vida, dando-se ao doente melhores dias, e não mais dias. Estudos econômicos mostram que a quimioterapia administrada a um paciente idoso, por exemplo, aumenta a sua longevidade em 2 anos (em média) mas gera uma péssima qualidade de vida pois os efeitos secundários são devastadores (David O. Meltzer, Which is Medicine´s Priority?, National Bureau of Economic Research, 1997).

é bem provável que você, leitor jovem, concorde com a lógica exposta. Os mais velhos, são uma outra história. Confesso ter sentido um calafrio ao ler aqueles estudos pois, afinal, sou um dos milhões de sexagenários que gostariam de adiar por muitos anos a chamada derradeira.

Do angulo da saúde pública, porém, minha vontade conta pouco. Não se trata de estabelecer uma luta de gerações, entre jovens e velhos, mas, simplesmente de saber como alocar recursos escassos de orçamentos apertados.

Por isso, se você está na minha faixa etária, é hora de pensar mais em qualidade do que em longevidade. Mas, não fique obcecado com a cerimônia final, mesmo porque a criatividade de estilos, no Brasil, não permite muita escolha. Aliás, será que o estilo britânico, acima relatado, teria algum mercado entre nós?