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Publicado em O Jornal da Tarde,16/07/1997

Medo de Avião

Gostaria de ser daqueles que genuinamente não têm medo de voar. Talvez pelo fato de ter experimentado o gosto amargo de um acidente aéreo em 1966, fiquei encucado. Hoje em dia, penso que só não tem medo quem não tem imaginação.

Dizem que o transporte aéreo é o mais seguro. Existem no mundo cerca de 12 mil aviões comerciais que realizam 15 milhões de vôos por ano. Em 1996, transportaram 1,5 bilhão de pessoas. Apenas 1,6 mil morreram em acidentes.

Apesar disso, voar preocupa. Se você comparar o número de mortes com o número de viagens, o desempenho dos aviões é pior do que o dos automóveis. O crescimento do transporte aéreo é brutal: 6% ao ano. Os acidentes vão aumentar. A Boeing estima que no ano 2010 haverá um desastre por semana ("How Safe is your Airline?", Economist, 1997). Vejam que essa previsão é de quem não tem o menor interesse nela.

Mas o que tenho eu de me meter em assunto tão técnico? Ocorre que cerca de 70% dos desastres têm causa humana. A melhoria da segurança depende, sobretudo, de pesados investimentos em treinamento.

O bom piloto, hoje em dia, não é mais aquele tipo atlético que investia na malhação de seu corpo e na manutenção de sua destreza manual. Os novos equipamentos transformaram esse ofício em uma profissão eminentemente cerebral. Os pilotos atuais precisam dominar um grande número de informações e, sobretudo, usá-las bem - o que torna a sua atividade mais artística do que técnica.

A redução de erros depende não só de seguir os procedimentos indicados nos manuais mas, sobretudo, de "sentir" e "interpretar" o comportamento da aeronave em cada um dos segundos voados. Esse feeling é estratégico para a qualidade do trabalho e evitar os erros humanos que respondem pela maioria dos acidentes.

Inúmeras profissões estão sendo alavancadas em matéria de conhecimento, apesar dos equipamentos se tornarem automáticos. Os que operam com robôs em linhas de montagem dedicam longas horas observando o seu desempenho a fim de captar pequenos desvios antes de serem acusados pelos relógios de monitoramento.

Na década de 80, visitando algumas fábricas no Japão, verifiquei que muitos robôs eram batizados pelos trabalhadores com nomes de mulheres, em geral, artistas de Hollywood: Marylin, Rita, Bety, etc. Eles me diziam que, como as mulheres, os robôs são muito delicados e, como as artistas, são muito temperamentais - o que exigia atenção e carinho.

Se a Boeing levar em conta o que ocorre no Brasil, tudo indica que a empresa elevará ainda mais a sua preocupante estimativa. No acidente que matou 8 pessoas e feriu 11 em Conselheiro Lafayette, Minas Gerais, se descobriu que o piloto não tinha documentação adequada para voar. Sua licença fora cassada no ano passado em conseqüência de repetidas imprudências. E, com gente despreparada, o avião vira uma arma. O pior é que, ao terminar este artigo, embarco imediatamente para Brasília. Rezem por mim.