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Publicado em O Jornal da Tarde, 03/06/1998

Corpo mole no trabalho

Você conhece muita gente que faz corpo mole no trabalho?

No meio de tanta discussão sobre redução de jornada de trabalho, é curioso que ninguém trata da enorme diferença que existe entre "horas no trabalho" e "horas efetivamente trabalhadas".

Em certos setores, a diferença é pequena. Em outros, é monumental. Nas empresas que possuem um gerenciamento atento ou que contam com o comprometimento do trabalhador com o trabalho, a tendência é de se usar bem cada minuto de presença.

Em muitos segmentos do setor setor público – não generalizemos! - a supervisão é frouxa e o comprometimento é baixíssimo, razão pela qual a distância entre tempo no trabalho e tempo de trabalho é muito grande. O mesmo ocorre, em menor escala, com as atividades terceirizadas pelo setor público junto ao setor privado. Você já viu o que certos funcionários gastam de tempo em telefonemas particulares?

Na semana passada, caminhando numa praia do nordeste, observei que um grupo de trabalhadores fazia uma valeta em camera lenta. Para cada três minutos de trabalho, havia uns cinco de papo. Eram trabalhadores de uma empresa contratada pela prefeitura local. A supervisão é distante e o comprometimento inexistente.

Durante uma hora de caminhada, aquele "stop-and-go" manteve-se constante. Perguntei a mim mesmo de onde vem o fantástico aumento de produtividade do trabalho que as estatísticas registram para a economia brasileira.

No momento em que começou a se formar na minha cabeça uma imagem de preguiça e indolência, ouvi um dos trabalhadores dizer para o seu colega:

Veja esse coroa, andando de cá para lá para per-der peso. Se ele pegasse no cabo desta pá, não precisaria nada disso... é falta do que fazer... Está na cara.

A frase me pegou no estômago. Enquanto eu suspeitava da sua produtividade baixa, os trabalhadores estavam convictos de que a minha era zero.

Deixando de lado o pitoresco da história, na discussão da jornada de trabalho, é de suma importância considerar o eficiência no uso do tempo.

No Brasil, ainda há muitos setores nos quais a remuneração de baseia simplesmente nas horas de presença e não nas horas de trabalho.

Não defendo o abandono do pagamento do tempo que o trabalhadores dispendem no trabalho, mas sugiro que se leve em conta também o tempo que eles usam para realizar o seu trabalho.

A diferença entre tempo no trabalho e tempo de trabalho é crucial e os estudos chamam a atenção para a necessidade de reduzí-la para vencer as barreiras da competitividade (Paul Rathkey, Time Innovations and the Deployment of Manpower, Aldershot: Avebury Prez, 1990).

A jornada de trabalho vem se reduzindo em todo o mundo, mas isso precisa ser compensado com um aumento de produtividade. Do contrário, todos perdem. Com a mesma produtividade, não é possível trabalhar menos e ganhar igual. Não há lógica capaz de sustentar esse sistema. Por isso, o novo ingrediente do tempo trabalhado tem de entrar na questão da redução da jornada de trabalho.