Publicado em O Jornal da Tarde,06/11/1996
Ganhar em real e gastar em dólar
Os leitores da minha faixa etária se lembram dos tempos em que os americanos vinham ao Brasil achando os nossos preços uma pechincha. Um saboroso filé mignon, que nos restaurantes do seu país custava 30 dólares, era servido aqui por 8 dólares. Uma corrida de taxi que os motoristas de Los Angeles cobravam 10 dólares, os de São Paulo cobravam 3.
O dólar era uma moeda forte. Eu tinha 26 anos no início dos anos 60 quando trabalhei com três professores americanos que faziam pesquisas no Brasil.
Professor é mal pago em todas as partes do mundo. Mas, pelo que gastavam, os três gringos pareciam milionários. Comiam nos melhores restaurantes. Usavam taxi por qualquer motivo. Adquiriam quadros, esculturas, tapetes - enfim, tudo o que lhes parecia diferente. O mais provocador do grupo, costumava dizer: a melhor coisa do mundo é ganhar em dólares e comprar em cruzeiros. Era mesmo.
Em 1964, fui estudar nos Estados Unidos. Para viver e manter a família, eu dependia muito do salário da USP. Mas, era preciso um microscópio para ver o que dele sobrava, depois de feita a conversão das moedas. Percebi que a pior coisa do mundo era ganhar em cruzeiros e pagar as contas em dólares!
Os anos foram passando. Os jornais da semana passada noticiaram que os salários dos brasileiros que trabalham na indústria, depois do Plano Real, aumentaram 100% em dólar enquanto que os dos americanos continuaram estagnados. Os repórteres me pediram para explicar essa "anomalia", argumentando que o poder aquisitivo parece não ter dobrado.
De fato, o salário do setor industrial dobrou em dólares. Isso decorreu da sobrevalorização do dólar (uns 25%) e de aumentos acumulados de 26% no primeiro ano e 23% no segundo - para quem continuou empregado. Se esse trabalhador pudesse ganhar em reais e comprar em dólares, o seu poder de compra teria efetivamente dobrado. Mas, ganhando e gastando em reais, a história é outra.
Todos sabem que, com a chegada do Plano Real, os preços brasileiros se estabilizaram, mas em um nível muito alto. Nos Estados Unidos, uma boa camisa custa 30 dólares; no Brasil, 60 reais. Aquele jantar de 8 dólares dos anos 60, custa hoje 50 reais. Da minha casa ao Aeroporto de Guarulhos (42 quilômetros), o taxi custa 60 reais enquanto que do centro de New York ao Kennedy Airport (38 quilômetros), são 35 dólares.
O Brasil controlou a inflação de preços que estavam e continuam nas nuvens, quando calculados em dólar. Hoje, o americano vem para cá com seu pobre dólar querendo enfrentar os preços do poderoso real... pura ilusão. Pior é a situação do exportador que ganha em dólares e paga contas em reais.
Ao explicar isso aos repórteres, percebi que, quando estudante, eu sonhava com o vidão dos três americanos, ou seja, eu queria ganhar em dólares e comprar em cruzeiros. Hoje, continuo sonhando: gostaria de ganhar em reais e comprar em dólares.
Esse sonho não é só meu. Legiões de brasileiros passam suas férias em Miami, Orlando e New York. Tem gente que não leva nem mala, e volta vestindo terno de tropical inglês, comprado por 150 dólares. Conheço uma futura mamãe que comprou em Miami, por 500 dólares, um enxoval de bebê que aqui custa mais de mil reais.
Por isso, decidi. Vou passar a virada do ano nos States. Quero acabar o 1996 comendo um belo fetuccini al pesto, com vinho italiano e tudo, por apenas 15 dólares. E entrar no 1997 tomando uma garrafa de champanhe francesa comprada por 20 dólares.
Se me der na telha, estico a estada. Enviarei os meus artigos para o Jornal da Tarde por fax. Será a grande chance de ganhar o meu robusto cachê, como articulista, em reais para gastá-lo prazerosamente, como turista, em dólares. E viva o Real!
|