Publicado em O Jornal da Tarde, 11/02/1998
Auxílio paletó
Depois de uma dura negociação com os empresários da FIESP, os trabalhadores metalúrgicos conseguiram incluir na cesta básica 12 camisinhas. Numa época de tanta AIDS, os negociadores consideraram os preservativos como itens de primeira necessidade que, comprados no atacado, custam apenas R$ 3.
Perguntado sobre por que 12 - e não 10 ou 14 - Vicentinho disse que, segundo as estimativas da CUT, os metalúrgicos de São Paulo "transam" três vezes por semana, em média...
Na mesma semana, o País ficou sabendo que o Superior Tribunal de Justiça concede aos seus funcionários o "auxílio paletó". Trata-se de uma ajuda de custo para garantir o decoro no vestir e que varia de R$ 1.300 a R$ 2.059 por mês.
As diferenças entre a camisinha dos metalúrgicos e o paletó do judiciário são imensas. A mais gritante, obviamente, é a do preço - R$ 3 vs. R$ 2.059! Mas há outras.
A camisinha veste o artista uma só vez. Terminado o espetáculo, ela tem de ser descartada, não havendo tintureiro capaz de recuperá-la. Um paletó bem tratado, convenhamos, dura anos, podendo vestir o protagonista durante várias temporadas e nas mais diversas ocasiões, desde o trabalho até o casamento.
Uma outra diferença é que, no caso dos metalúrgicos o benefício é dado em espécie enquanto que no dos servidores é em dinheiro.
Mais uma diferença: para incluir as camisinhas na cesta básica, os pagadores (empresários) tiveram de ser convencidos de sua utilidade através de um processo de negociação. No caso do STJ, não me consta que o Presidente daquela Corte tenha consultado os contribuintes que pagam o benefício.
Se tivesse sido consultado, você concordaria em pagar R$ 2.059 para cada funcionário comprar 10 ternos por mês? Duvido que as lojas de Brasília tenham capacidade de fornecer 10 mil ternos todos os meses para os 1.000 funcionários do STJ.
Deixando a brincadeira de lado, o episódio ilustra a diferença entre o sistema negocial e o sistema estatutário no campo trabalhista. No primeiro, há pouca lei e muita negociação. No segundo, há muita lei e pouca negociação. Esse é o nosso caso. Temos um sistema legal que se preocupa em assegurar os resultados do jogo, quando o mundo moderno busca sistemas que garantam as regras do jogo.
Quando se garante apenas as regras, o resultado passa a depender dos jogadores. Durante o jogo (negociação), eles vão conquistar e ceder, acomodando os desejos com as possibilidades, de forma realista. O acordo é o encontro do ponto ótimo para as partes.
No sistema estatutário, os resultados são estabelecidos independentemente da realidade, como se as coisas do mercado pudessem ser inteiramente resolvidas pelas leis, e não pelas partes.
No Brasil, a Constituição e a CLT se preocupam só com os resultados, e não com o jogo. Nelas estão estabelecidos, por exemplo, o valor da hora-extra, do abono de férias, do aviso-prévio, assim como a extensão da jornada, das férias, das licenças e inúmeros outros resultados que, nos países modernos, são objeto de negociação e não de legislação.
A superproteção garantida por lei ou pela decisão unilateral dos superiores desemboca em rigidez e iniquidades, como é o caso do auxílio paletó do STJ que custa aos cofres públicos R$ 15 milhões anuais, enquanto a maioria dos trabalhadores brasileiros, depois de 35 anos de trabalho se aposenta com R$ 130 mensais.
Analise o caso friamente e responda: Você que é contribuinte e faz parte do jogo do qual estou falando, acha que o Brasil terá de evoluir em direção do auxílio paletó, fixado unilateralmente pelo Presidente do STJ, ou do auxílio camisinha, como foi negociado entre empregados e empregadores?
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