Publicado em O Jornal da Tarde,22/05/1996
Biblioteca sem livros
Participei em 1996 de uma Conferência sobre "As Estratégias das Bibliotecas do Século XXI". A reunião teve lugar na biblioteca da cidade de New York e foi um verdadeiro réquiem para o livro convencional. Dentro de pouco tempo, as bibliotecas de todos países desenvolvidos estarão nas memórias dos computadores.
Nesse novo mundo, o potencial de uma biblioteca estará, não no seu acervo de livros, mas sim, na capacidade de se interligar com outras bibliotecas e obter, com rapidez, a informação desejada, na forma que o pesquisador indicar: papel impresso, disquete, CD-ROM ou outra.
Essas bibliotecas abrem um novo cenário para a humanidade. Com base nelas, a mente dos "leitores" será ampliada pelas lentes de um telescópio espacial. Serão bibliotecas sem paredes. Os leitores passarão a usá-las 24 horas por dia e 365 dias por ano. Vários deles poderão "pesquisar" os mesmos livros simultaneamente. Será o fim da geografia. O morador de um país tornar-se-á um frequentador assíduo das bibliotecas de outros países podendo ler tudo na íntegra, de forma organizada e através do seu terminal doméstico, sem sair de casa.
Até aquela data, nenhuma biblioteca teve o conteúdo de seu acervo inteiramente informatizado até o momento. Mas, os avanços nessa direção já estavam acelerados.
Durante a Conferência, os participantes tiveram acesso a algumas bibliotecas sem livros. Nelas, pode-se pesquisar o que quiser, começando-se pelo índice do velho livro ou da revista, selecionando tópicos específicos, lendo todo material, perseguindo rodapés e aprofundando conhecimentos.
Demandei de uma delas, uma pesquisa detalhada sobre desemprego. Eram 5 da tarde. Deixei as instruções e fui jantar. Voltei às 9 da noite. A pesquisa estava pronta e gravada num disquete em meu nome. As "bibliotecárias eletrônicas" fizeram, em algumas horas, o que eu, numa boa biblioteca convencional, levaria meses. é fabuloso!
Isso só seria bonito se não fosse preocupante. Sim, porque a ampliação da capacidade de pensar, inovar e agir estará atrelada à facilidade de acesso a tais sistemas. Nessa corrida, os povos menos desenvolvidos ficarão para trás.
O maior obstáculo, por incrível que pareça, não está na tecnologia pois esta se torna cada vez mais simples e mais barata. Está aí o exemplo da Internet. Para a grande maioria dos povos menos desenvolvidos, a grande barreira está na sua própria educação.
Atente, por um momento, para a questão do idioma. O inglês já é uma língua hegemônica e o será ainda mais no tempo das bibliotecas eletrônicas. A grande maioria das informações estará em inglês. Sim, porque, além dos originais, quase todos os escritos em outras línguas estão sendo resumidos ou inteiramente traduzidos para aquêle idioma.
Isso provocará o aprofundamento do enorme fosso intelectual que já existe entre países pobres e países ricos. Os que não dominam o inglês serão transformados em retardatários permanentes sobre o que acontece no mundo da ciência, das humanidades e das artes.
Em 1985, assisti no Japão ao lançamento de um programa educativo no valor de US$ 100 bilhões destinado a dar a todos os jovens o pleno domínio da língua inglesa até o ano 2000. Vejo, agora, com o advento das bibliotecas eletrônicas, que esse esforço é o divisor de águas entre a clarividência e a cegueira intelectual.
No Brasil também existem muitas bibliotecas sem livros. Mas, sem livros mesmo! E, as raras que têm livros tradicionais, estes são pouco utilizados. O Brasil ainda enfrenta problemas rudimentares no campo da educação. O atraso brasileiro é mundialmente conhecido e os avanços têm sido pífios quando comparados com o que fizeram os nossos competidores, especialmente da Ásia.
A continuar nessa moleza estaremos condenando as gerações do próximo milênio a uma longa era de lamentáveis trevas. Isso é inaceitável. Temos de começar já essa tão falada e tão negligenciada revolução educacional brasileira.
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