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Publicado em O Jornal da Tarde,19/11/1997

Quando o caro sai barato

Acabo de voltar de Wisconsin, nos Estados Unidos. Lá estudei e fiz muitos amigos. O Instituto de Relações do Trabalho da Universidade de Wisconsin continua sendo a minha base preferida para pesquisa.

Wisconsin sempre foi um estado inovador na área social. O seguro-desemprego começou a ser estudado lá - no fim da década de 30. A previdência social americana, igualmente, recebeu inúmeras contribuições de professores de Wisconsin. A escola institucionalista no campo do trabalho surgiu naquela Universidade.

Você acha que um estado tão sensível às causas humanitárias teria coragem de cortar a assistência social das mães viúvas ou solteiras? Pois cortou.

Confesso que fiquei chocado. A filosofia que presidiu a decisão assusta pela sua desumanidade. Ela parte do princípio que os pobres não devem mais ser assistidos. Daqui por diante, todos têm de trabalhar. Ao Estado compete apenas ajudar as pessoas a encontrar trabalho.

O maior arrojo do programa foi que, à partir de 1o. de Setembro de 1997, todas as mães (ou pais) viúvos ou solteiros pararam abruptamente de receber os benefícios da assistência social para seus filhos. No Brasil, uma conduta assim drástica provocaria, no mínimo, uma mobilização nacional.

Em Wisconsin, também, previa-se uma forte reação dos que estavam acostumados a receber os benefícios da seguridade social sem fazer nenhum esforço. Outros previram que nada seria conseguido em termos de empregos para pessoas que se encontram no meio de dificuldades tão acentuadas como as mães viúvas ou solteiras das camadas mais pobres.

Evidentemente, é muito cedo para qualquer tipo de avaliação. Mas, os primeiros sinais são animadores. O governo colocou todo pessoal da ex-assistência social passando horas à fio com as pessoas carentes, ajudando-as a identificar suas limitações e, ao mesmo tempo, descobrir oportunidades de trabalho. Isso criou uma nova mentalidade na burocracia e elevou o empenho dos funcionários. O esforço de colocação das pessoas no mercado de trabalho é colossal. Os servidores, aliás, de alta qualidade, estão se desdobrando como podem.

Quando a situação se mostra realmente crítica, as pessoas são encaminhadas para fazer trabalhos comunitários como, por exemplo, cuidar dos jardins das cidades, limpar os parques e pintar escolas (pagas pelos governos à base de salário mínimo). Em outros casos, os funcionários buscam uma parceria com empresas que precisam de trabalhadores avulsos e dispostos a ganhar US$ 5.50 por hora trabalhada para realizar trabalhos de conservação e limpeza. Tudo é feito com muita flexibilidade. Há ainda as situações em que as mães (ou pais) trabalham três dias por semana e assistem aulas sobre trabalhos comunitários nos outros dois dias.

O programa parece que vai pegar. Mas é caro. O que foi economizado com benefícios será gasto em serviços de colocação e capacitação profissional. O programa como um todo custará 40% mais do que o anterior.

Esse me pareceu o aspecto mais interessante dessa nova história de arrojo do estado de Wisconsin. O programa tem toda a aparência de desumano mas, na verdade, ele dá um belo show de humanismo. A pessoa deixa de ser tratada como peso morto ou objeto descartável e readquire a esperança e a dignidade de quem vai trabalhar e fazer coisas úteis. Quando se incluem estes desdobramentos do lado do benefícios, os administradores provam que a taxa de retorno é bem superior à do assistencialismo anterior.

O importante nisso tudo foi a atitude política. Decidiu-se pagar mais por um serviço bem feito. O que há de errado nisso? Errados estão aqueles que pagam menos (ou até mais) por um serviço mal feito nos campos da assistência social, previdência e seguro-desemprego, e que precisa ser refeito a cada mês, por toda a eternidade, e enquanto existir gente carente e desempregada na face da terra. Temos de nos preparar para isso. Não é certo desperdiçar recursos e, por cima, tratar indignamente quem precisa trabalhar.