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Publicado em O Jornal da Tarde, 17/07/1996

As delícias do futuro

Os dados de quase todo o mundo mostram que os seres humanos estão trabalhando menos e vivendo mais. Na Inglaterra, na metade do século 19, um trabalhador típico trabalhava cerca de 125 mil horas ao longo da vida e a idade média era de 55 anos. Hoje, ele trabalha 69 mil e vive até 78 anos.

Para o cálculo do trabalho em toda carreira, costuma-se excluir as férias, feriados e licenças. Omite-se também o trabalho doméstico voluntário (ver Jesse H. Ausubel e Arnulf Grubler, Working Less and Living Longer, Technological Forecasting and Social Change, 1995).

Embora a tendência histórica tenha sido de encurtar as horas trabalhadas, há períodos em que elas aumentaram. No início da revolução industrial, a jornada diária nas fábricas de tecido e nas siderurgias chegou a ser de 16 horas. Ainda hoje, os japoneses trabalham, anualmente cerca de 400 horas a mais do que os americanos, nos últimos 3 anos, elevaram a jornada semanal efetiva de 44 para 48 horas.

Esses retrocessos, porém são episódicos. A tendência histórica mostra o inverso. Examine os números referentes ao tempo disponível e o tempo trabalhado.

O tempo disponível resulta do total de horas menos cerca de 10 anos dedicados à infância e à escolarização básica e 10 horas por dia usados para descanso, alimentação e lazer.

Entre meados do século 19 até os anos 80, o tempo disponível em uma carreira média aumentou de 242 mil horas para 356 mil horas. Nesse período, como vimos, o tempo trabalhado diminuiu de 125 mil para 69 mil.

Portanto, o tempo trabalhado, em relação ao disponível, diminuiu de 50% para 20%! Essa dramática redução decorreu, de um lado, da diminuição do número de horas trabalhadas e, de outro, do aumento da vida média.

O que se faz nas horas não trabalhadas? Na infância, alimenta-se e diverte-se. Na juventude, acrescenta-se o tempo de estudo. Na meia idade, pára o estudo e entra o cuidado dos filhos e o trabalho doméstico. No final da vida, quase todo o tempo vai para a administração da doença e prevenção da saúde.

Dentro de poucos anos, a maior parte do tempo será gasta antes e depois da carreira. As estimativas indicam que, nas primeiras décadas do próximo milênio, a jornada semanal cairá para 35 horas para os homens e 22 horas para as mulheres. E a vida média ultrapassará 80 anos. O homem do futuro trabalhará menos e viverá mais.

Boas notícias, não é? Em termos. Os tempos do futuro serão bonitos e agradáveis se a sociedade moderna resolver os problemas do presente. Para trabalhar menos, será essencial ter educação de boa qualidade. Para sustentar o descanso dos idosos, será crucial rever as políticas previdenciárias. Para gerar receita pública, será fundamental criar oportunidades de trabalho.

Como se vê, o mundo do futuro tem uma agenda carregada. A demografia diz que a vida será longa. A economia afirma que o emprego será curto. A atuária anuncia que as previdências quebrarão. E as escolas, com os recursos atuais, se dizem importantes para educar adequadamente as pessoas.

No Brasil, a demografia nos diz que a vida média atual de 64 anos saltará para 72 anos nos próximos 20 anos. O emprego formal, com as leis atuais, encolherá na base de 2% ao ano. A Previdência, se nada for feito, quebrará por completo. E as escolas não conseguirão ir muito além dos atuais 3,5 anos de educação que são dados à nossa força de trabalho.

O grande desafio, portanto, é o de reverter esse quadro e promover a convergência entre a demografia, a economia, a previdência e a educação. Isso feito, nossos filhos, netos e bisnetos poderão desfrutar as delícias de viver muito e trabalhar pouco.