Publicado em O Jornal da Tarde,17/01/1996
Celular grátis
Desconheço outra cidade onde se vê tanto celular como Brasília. O pessoal dos três poderes - assim como seus assessores, secretárias e até motoristas - usa o telefone celular como rotina e para tratar de qualquer assunto.
Para muitos, o celular é um indicador de progresso, modernismo e avanço tecnológico. Concordo com tudo isso desde que os usuários paguem o tempo gasto com conversa fiada, namoro e papo furado. Desconfio que, no governo, esse controle não é feito e que toda a conta acaba sobrando para nós contribuintes.
O leitor pode argumentar que isso acontece também com o telefone comum e com tantas outros bens públicos dos quais os burocratas derivam benefícios privados. Acontece que as ligações via celular são muito mais caras e podem chegar a números exorbitantes. O meu telefone celular, que uso com a maior parcimônia, me custa R$ 120,00 por mês. Imagine o que acontece com os viciados que ficam grudado no "bichinho" o tempo todo.
O leitor pode estar achando mesquinharia se preocupar com a conta dos celulares do governo. Mas, povos bem mais ricos do que nós têm controles severos sobre tais despesas. Nos Estados Unidos as ligações celulares custam menos de 50% do que no Brasil. O consumo médio de um celular naquele país está em torno de U$ 52 por mês.
Um jornalista chamado Brazil, resolveu estudar pacientemente as contas dos telefones celulares mantidos pelo governo da Califórnia - o estado mais rico dos Estados Unidos. Ele verificou que o consumo médio de 600 funcionários públicos que usam celulares do governo está em torno de US$ 100 - o que já não agradou, pois isso é o dobro da média de quem paga sua própria conta.
Mas, Brazil, foi mais adiante: Constatou que há outros 1.200 aparelhos do governo, para os quais a conta mensal é, em média, US$ 300 - o triplo do que gastam os que bancam suas despesas. O recorde foi batido por um telefone celular da Secretaria de Segurança (o sherif?) que chegou a US$ 4.387 em maio de 1995. Ele foi seguido de US$ 2.324 e US$ 2.049 - gastos, respectivamente, por telefones dos departamentos de administração e de água (Jeff Brazil, "Running up the Taxpayers's Phone Bill", in Los Angeles Times, 07-01-96).
A publicação desses dados está causando uma verdadeira revolta entre os contribuintes da Califórnia por saberem, ademais, que também as ligações pessoais estão sendo pagas com os seus impostos. Eles simplesmente se negam - e com razão - a pagar pelos interesses de particulares.
Os contribuintes ficaram ainda mais furiosos ao serem informados que, em outros estados, as regras sempre foram rigorosas nesse campo. Na prefeitura de Miami, por exemplo, cada funcionário pode usar apenas US$ 100 por mês em celulares do governo. À partir desse valor eles pagam do seu bolso.
Na prefeitura de New York, fixou-se o teto de U$ 85 por mês o que fez os celulares serem usados só em casos de muita urgência. Em Chicago, toda conta acima de US$ 100 passa por uma auditoria. Havendo boa justificativa, o tesouro arca com o excedente. Do contrário, o usuário paga. Em Baltimore, os funcionários que precisam se comunicar da rua ou em situação de emergência têm à sua disposição um bom sistema de rádio e de BIP.
Infelizmente não tenho dados sobre as contas dos celulares pagas pelo governo do Brasil. Mas, pelo que observo, vejo mais abuso do que uso. Nos aeroportos, salas de espera, inaugurações, cerimônias e outros recintos abertos ouço muita conversa que poderia ficar para mais tarde - e tratada pelo telefone comum. Imagine o leitor o que acontece quando o papo "celulado" ocorre em recinto fechado, nas residências, no carro ou no banheiro...
Dizem que a arte de poupar se baseia na economia das pequenas coisas. Concordo. Quem não consegue economizar o pouco dificilmente consegue economizar o muito. As tecnologias modernas estão aí para facilitar a vida dos seres humanos. Mas, seus custos não podem ser descarregados em quem não tem a menor ação sobre eles.
Longe de mim querer estabelecer entre nós um sistema de escuta celular. Isso já deu muito problema. Mas, acredito que o leitor, como eu, deve ter muita curiosidade em saber quantos celulares estão sendo mantidos por nós contribuintes em todo o Brasil. Seria interessante saber quem são os seus usuários e qual é o valor das contas desses telefones. E, se possível, ter algum indicador da natureza das ligações efetuadas.
Madison dizia que o primeiro estágio da democracia é quando os governados respeitam os governantes; o segundo é quando os governantes respeitam os governados; o terceiro é quando os governados controlam os governantes. Não há porque desistir dessa trajetória por mais atrasados que estejamos no Brasil. é começando pelas pequenas coisas que chegaremos às grandes.
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