Artigos 

Publicado em O Jornal da Tarde, 08/11/1995

Furtos, roubos e seqüestros

Poucos discordam que caráter vem de berço. Costuma-se dizer que "honestidade é coisa que não se compra".

Será mesmo que, por nascença, os seres humanos se dividem em honestos e desonestos? Tudo indica que não. O provérbio "a ocasião que faz o ladrão" parece ter um grande fundo de verdade. Uma pesquisa realizada pela FMI/London House revelou que os supermercados brasileiros perdem, em média, 3,5% de seu faturamento com furtos de mercadorias e ações fraudulentas - o que dá mais de US$ 1 bilhão por ano.

Quem furta mais? O estudo mostrou que 45% dos furtos são realizados pelos funcionários; 35% pelos clientes; 20% por entregadores, reparadores e outras pessoas que entram e saem dos super-mercados.

Não dá para concluir, é claro que funcionário, por natureza, é mais ladrão do que cliente. O mais provável é que os primeiros têm mais chance de furtar do que os segundos. Os números atestam isso. Entre os funcionários, o furto médio, em 1994, foi de US$ 126 enquanto que, entre os clientes, foi de "apenas" US$ 25.

As táticas usadas pelos funcionários são relativamente sofisticadas, envolvendo desvio de mercadorias, registro errado no almoxarifado, descontos indevidos para parentes e amigos, etc. Entre os clientes, o mais comum é o velho golpe de esconder a mercadoria embaixo da roupa, especialmente os produtos de higiene e beleza, como sabonetes, escovas, xampu, creme dental e também frios empacotados, manteiga e latas de bebida.

Os super-mercados, que têm uma rentabilidade média de 2% por ano, não querem perder US$ 1 bilhão com furtos. Por isso, eles vêm reforçando a fiscalização. E a população concorda com isso. Segundo uma pesquisa de opinião pública realizada pelo IBOPE (1993), mais de 80% dos brasileiros indicam que o número de furtos nas prateleiras dos super-mercados será astronômico se não houver uma vigilância cerrada.

Será que essa cleptomania se restringe ao super-mercado? Parece que não. A pesquisa do IBOPE mostrou que 64% dos informantes acham que os brasileiros, tendo oportunidade, agem ilegalmente para conseguir vantagem. Quando se perguntou: afinal, o brasileiro é honesto? - isso foi confirmado por apenas 27% dos entrevistados.

é um número que reflete um nível baixíssimo de auto-estima, que causa desânimo. Mas, isso não é monopólio dos brasileiros. Um levantamento realizado nos Estados Unidos nos idos dos anos 70, revelou que 40% dos entrevistados haviam "surrupiado" pelo menos um item de loja ao longo de sua vida (Robert Hardt e Sandra Hardt, Self-Report of Delinquency, 1978) e 5% dos homens e 7,5% das mulheres praticavam furtos nos super-mercados do país (Saul D. Astor, Shoplifting Survey, Security World, 1971).

é por tudo isso que os estabelecimentos comerciais, mesmo os que atendem clientelas sofisticadas, decidiram investir pesadamente nos códigos de barras, sensores eletrônicos e tantas outras tecnologias de combate ao furto.

Os controles sociais têm a sua razão de ser. Deixar o ser humano solto no meio de um montão de mercadorias é muito perigoso. Quando a população cresce mais depressa do que as instituições controladoras, o problema se agrava. A delinquência humana é um ato calculado. Toda vez que os benefícios superam os custos, os desvios aumentam e a anomia se alastra.

Mais sério é quando as pessoas percebem ser possível alcançar o sucesso pelas vias da audácia e da esperteza - o que parece estar ocorrendo no Brasil. Nesse caso, é ingênuo esperar comportamentos normais com controles sociais tão relaxados. Isso se aplica ao furto do sabonete do super-mercado e, da mesma forma, ao carro forte do banco e ao seqüestro do filho do empresário.