Publicado em O Jornal da Tarde,07/06/1995
A terceirização do castigo
Há quinze anos atrás, quando surgiram, as prisões privadas causaram um grande escândalo. As atividades de prender e castigar eram tidas como as últimas coisas a serem privatizadas. Pois foram. Hoje, no Arizona, California, Colorado, Nova York, Ohio, Texas e em vários outros estados americanos, empresas privadas cuidam da segurança, educação, saúde, esportes, lazer, alimentação, laborterapia, assistência jurídica, espiritual e familiar dos presos.
Em muitos casos, a iniciativa privada também constroe e faz a manutenção dos prédios e equipamentos. Isso ocorre na França onde já foram erguidas cerca de 25 penitenciárias cuja administração vem sendo feita em parceria entre o público e o privado, numa espécie de co-gestão.
As experiências com prisões privadas nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Austrália ainda são polêmicas. Os adeptos do estatismo não se conformam que a iniciativa privada venha a gerar lucro aplicando castigo. Os advogados do privatismo, por sua vez, argumentam, pragmaticamente, que o Estado perdeu sua capacidade de investir no sistema penitenciário e o problema precisa ser resolvido.
No Brasil o tema também causa repugnância em muita gente. Há os que afastam a idéia, in limine, devido ao seu caráter inconstitucional pois, a Carta Magna garante ao Estado o monopólio de prender, julgar e executar. Há também os que não se conformam com a idéia do Estado engordar o caixa de grupos privados que trabalham com os que estão presos quando a sociedade não tem dinheiro para cuidar dos que estão soltos.
Os dois argumentos merecem comentários. Teoricamente, o Estado deveria manter o monopólio da violência (deter, prender, castigar, etc.). Mas, na prática, a violência vêm sendo compartilhada, em regime de concorrência, entre investigadores, policiais, bandidos, traficantes e trombadinhas. O Estado foi incapaz para deter esse monopólio por pura incompetência.
Quanto ao segundo aspecto, convém examinar os resultados das experiências em andamento, ainda que recentes. Os primeiros indicadores demonstram que, nos Estados Unidos um preso em cadeia pública custa, em média, US$ 20 mil por ano. Numa cadeia privada, custa US$ 10 mil sendo que, nela, o trabalho é mais intensivo, a disciplina mais rigorosa, a reciclagem profissional mais eficaz e a recuperação mais frequente do que nas cadeias públicas. Portanto, também para aplicar castigo, a terceirização compensa.
No Brasil, um preso custa, em média, US$ 6 mil por ano. As cadeias estão superlotadas. A indisciplina é a regra. As rebeliões são diárias. Os resultados de recuperação são pífios. Na verdade, as nossas prisões estão se revelando excelentes oportunidades de treinamento - a nível de pós-graduação - para se avançar na "difícil carreira" de furtar, roubar, assaltar, matar e traficar.
Não seria o caso de mudar a Carta Magna de modo a abrir espaço para projetos nesse campo? No Brasil, já há uma experiência bem sucedida com cadeia privada em São José dos Campos (São Paulo). As notícias que chegam são animadoras. A disciplina e a limpeza são exemplares. Há um Conselho de Orientação constituído pelos próprios presos que cuida de tudo, inclusive da segurança. Nunca houve um só motim. Os que saem para visitar a família, voltam com pontualidade. E os que saem por ter cumprido a sentença, nunca mais retornam - recuperaram-se. Não se pode esperar nada melhor do que isso. Trata-se de uma experiência que merece ser considerada pelos parlamentares que ora estão com a responsabilidade de modernizar a Constituição atual.
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