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Publicado em O Jornal da Tarde,27/09/1995

Morrer quebrado

Para quem ficará o apartamento que você tem? E os demais bens? Seus filhos terão recursos para bancar o inventário, impostos, taxas e a manutenção do legado?

Nos Estados Unidos surgiu um tipo de seguro que cobre todas essas despesas, evitando que a herança se transforme em um belo presente de grego para os que ficam. Entretanto, na medida em que as pessoas começaram a se preparar para comprar tal apólice, elas passaram a repensar suas vidas. Muitos acabaram partindo para o outro extremo, decidindo não deixar nenhuma propriedade e, muito menos, dinheiro para os seus descendentes.

A lógica do seu raciocínio foi muito simples. Marido e mulher, ao reunir o que tinham e calcular o que iriam gastar, perguntaram-se: Não seria melhor gozarmos as nossas vidas e fazermos, agora, o que nunca pudemos fazer? Será que, ao deixar tanta moleza aos nossos filhos, não estaremos diminuindo a sua garra pelo trabalho e o seu instinto de sobrevivência?

Pesquisas nesse campo justificam plenamente tais indagações. Os economistas Douglas Holtz-Eaking e David Joulfaian, por exemplo, verificaram que, nos Estados Unidos, cerca de 5% dos que recebem US$ 25,000 de herança, param de trabalhar por 6-12 meses. Entre os que recebem US$ 150,000, 20% encostam o corpo por 1-2 anos ou até acabar o dinheiro. A mera expectativa de herança muda o comportamento dos futuros herdeiros: eles gastam mais, economizam menos e trabalham o mínimo (Pollan e Levine, "Die Broke", Worth Magazine, Agosto 1995).

Por tudo isso, pessoas que se preparavam para fazer o referido seguro e até mesmo um testamento generoso, passaram a considerar a idéia de "morrerem quebradas", deixando, apenas, um bom fundo para a educação de seus filhos e netos e impedindo, rigorosamente, o uso do dinheiro em outras finalidades, em especial, as farras na Disney, as noitadas em Paris e a "dolce vita" em Capri.

Os conselhos de quem está optando por "morrer quebrado" são: (1) faça um bom seguro de saúde; (2) desfrute a vida; (3) comece a fazer o que sempre adiou; (4) e garanta a educação dos seus descendentes, equipando-os para um mundo onde saber pescar é muito mais importante do que ter alguns peixes guardados no freezer.

Num país pobre e desigual como o nosso, é triste saber que os felizardos que têm esse tipo de problema são uma pequena minoria. Todavia, se você está dentro dela, não titubeie. Veja se está dando para si o trato que você bem merece, depois de tanto trabalho. Pense bem. Reflita. Refaça seus cálculos. E boa decisão!