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Publicado em O Jornal da Tarde,01/03/1995

O brasileiro é preguiçoso?

Com a chegada do Rei Momo, a redação deste jornal me pediu para mandar este artigo com antecedência. Tive de trabalhar no Carnaval...

Há tempos que penso em estudar a preguiça. Quem sabe, deva começar num dia vocacionado para se espreguiçar à vontade - a 4a. feira de cinzas.

Oscar Wilde dizia que o trabalho é o melhor refúgio para quem não tem nada mais interessante para fazer. O Mario Quintana decidiu, certa feita, escrever sobre o tema e publicou "Da Preguiça como Método de Trabalho". Ali ele defende a inusitada tese de que a preguiça é a grande propulsora do progresso. Foi por ter preguiça de andar a pé, diz ele, é que o homem inventou a roda...

Afinal, o que é preguiça? O Aurélio define essa atitude como aversão ao trabalho; morosidade; indolência.

Você conhece pessoas com esses traços? Eu conheço - e muitas. Refiro-me não só aos que odeiam o trabalho mas, sobretudo, aos que trabalham sem empenho, com desprezo e até com raiva. Estou falando dos que veneram os fins de semana e cultivam os feriados e suas respectivas "pontes" com respeito e devoção próprios da religião.

é como uma empregada doméstica que tivemos lá em casa, anos a fio. Ganhava 3 salários mínimos. Excelente pessoa. Bom gênio. Fácil de conviver até a hora em que minha esposa pedia - raríssimas vezes - para ela trabalhar num sábado à tarde. Virava a cara no ato. Não havia o que a fizesse ficar. Nem mesmo 200% de hora extra.

Será que todos os que trabalham contrariados trabalhariam com empenho se a sua remuneração aumentasse? O dinheiro é importante, sem dúvida, mas penso que, no caso, está longe de ser tudo. Qual é preço para se acabar com a raiva?

Outro dia, dei por empreita a limpeza da entrada do meu sítio. Uns 50 metros. Serviço de 3 dias. Acertei com o trabalhador R$ 60,00 - o teto da região. Antes de pagar, perguntei por que não havia varrido para as margens, o mato roçado, ao que ele me respondeu ter contratado apenas a carpição. Resolvi fazer um teste. Ofereci R$ 10,00 extras. Ele não aceitou. Subi para R$ 15,00 e R$ 20,00 e não houve o que pudesse levar aquele homem a gastar uma hora para varrer o que havia sujado.

De onde vem a preguiça? Tive um velho mestre - Jack Barbash - que se notabilizou pelas suas pesquisas sobre a "ética do trabalho". Ele dizia que as pessoas que possuem essa ética, consideram o trabalho como uma atividade virtuosa e que, portanto, merece ser feito com zelo e esmero. Elas admiram o que fazem e, por isso, procuram fazer bem feito.

O sociólogo David Macleland descobriu que certas pessoas têm dentro de si o "espírito de realização" e, por isso, chegam a ter obsessão pelo trabalho. Ao pesquisar os determinantes desse "motorzinho", aquele autor descobriu que pais pouco autoritários e que criam os filhos com independência tendem a estimular aquele espírito enquanto que os autoritários ou super-protetores tendem a bloqueá-lo.

Isso não explica tudo mas lança alguma luz para se compreender um pouco melhor o fenômeno da aversão ao trabalho. No Brasil, muita gente parece ter vergonha de trabalhar. Roberto da Matta diz que, na mente dos brasileiros, o "espertalhão" é mais valorizado do que o "caxias". Na cabeça de muitas pessoas, é esperto quem consegue viver sem trabalhar. Quem trabalha, portanto, revela uma grave carência de esperteza, inteligência e sagacidade, lembrando-se ainda que os melhores exemplos vêm de cima. Bom dia, ex-deputado João Alves.

Não é fácil descobrir as causas da preguiça. Trata-se de um desafio que vai muito além da criatividade disponível num domingo de Carnaval. Afinal, o que estou eu fazendo aqui, trabalhando e relendo Oscar Wilde, Mario Quintana, Jack Barbash, Roberto da Matta à respeito da preguiça? Ainda ontem vi um para-choque de caminhão, no qual o caminhoneiro-filósofo ou o filósofo-caminhoneiro - como queiram - afirma, com a mais profunda convicção, que trabalhar é mesmo para otário... além de ser prejudicial à vida do lar pois quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro.

Depois disso, só me resta parar por aqui e deixar a formulação da teoria da preguiça para uma outra oportunidade.