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Publicado em O Jornal da Tarde,05/04/1997

Medo de polícia

O cultivo e a implementação de medidas de respeito à lei dependem muito de uma cooperação entre os cidadãos e a polícia. Na verdade, a eficiência do trabalho da polícia está intimamente ligado ao bom relacionamento entre cidadãos e policiais.

Os estudiosos da sociologia criminal chamam essa interação da "coprodução dos serviços policiais" querendo com isso chamar a atenção para a relação simbiótica que existe entre polícia e público.

Essa interdependência pode ser melhor entendida quando se examinam alguns dados. Em quase todos os países, a grande maioria das intervenções policiais ocorre por chamadas das pessoas. Assim, cidadãos e policiais estão do mesmo lado. Um vê o outro como elemento de apoio. Os policiais dependem da iniciativa das pessoas e estas dependem da proteção dos policiais.

Nas grandes cidades americanas, a polícia é avaliada de forma muito positiva. Em Chicago, por exemplo, 70% dos cidadãos acham que a polícia local faz um "bom" trabalho.

O mesmo acontece na Inglaterra. Em Londres, 90% dos ingleses acham que os policiais realizam um trabalho "muito bom".

As pesquisas de maior amplitude confirmam essa confiança. Um estudo de âmbito nacional, revelou que 73% dos americanos classificam o trabalho da polícia como "excelente" e "muito bom"; só 23% consideram seu o trabalho como "regular" e "pobre" e 4% como "muito pobre". Cerca de 80% mostraram grande confiança em relação aos policiais de sua comunidade (Wilson Huang e Michael Vaughn, Public Attitudes Toward the Police, 1996).

Nos dias 3 e 4 de abril de 1997, o IBOPE realizou o mesmo tipo de pesquisa no Brasil. Os resultados foram assustadores. Cerca de 70% dos brasileiros disseram não confiar "nenhum pouco" na polícia. A maioria acha que a qualidade dos serviços da policia piorou ultimamente e 92% disseram ter medo que policiais possam fazer mal a algum de seus parentes!

é muito pouco provável que comunidade e polícia possam se ajudar num ambiente desse tipo. Nem pensar na tal "coprodução" dos serviços policiais. O brasileiro tem medo da polícia. O pobre porque acha que vai apanhar. O rico porque tem certeza que vai ser achacado. A classe média porque não sabe em que categoria vai cair.

Sem a confiança do povo, a polícia pouco pode fazer. Afinal, a grande maioria das intervenções policiais depende dos chamados dos cidadãos. Nos países avançados, essa dependência é de quase 90%. Como estará essa proporção no Brasil depois da reportagem da TV Globo que mostrou os policiais de São Paulo batendo e matando pessoas tidas como inocentes?

é interessante notar que a maioria dos americanos considera a agressividade dos policiais como "aceitável". O que explica isso? Será que o policial americano é mais "soft" do que o brasileiro?

Nada disso. A polícia americana é muito agressiva. Ela sempre entra de maneira firme e enérgica nos casos de contravenção e desordem. A legitimidade da agressividade decorre da alta credibilidade que a polícia desfruta na sociedade. Para quem acha que o policial protege e faz um bom trabalho - como os americanos - é normal aceitar a agressividade policial. Ou seja, profissionais confiáveis, quando são enérgicos merecem apoio porque assim agem como resposta a situações que demandam energia.

é claro que as reportagens das últimas semanas influenciaram o resultado do IBOPE. Mas, é pouco provável que antes delas, o brasileiro comum confiava cegamente na polícia de seu estado.

Essa desconfiança é velha e se estende também à justiça. E não é para menos. Quando se combina a ineficiência das duas instituições, tem-se o quadro atual. Para cada mil cidadãos presos em flagrante, apenas um chega a ser julgado, condenado e preso. Se levarmos em conta que poucos são os contraventores presos em flagrante, conseguimos entender porque a criminalidade no Brasil ultrapassou as piores marcas mundiais.

é claro que o crime tem causas mais complexas como o desemprego, a promiscuidade, a desorganização familiar e várias outras. Mas, o seu controle depende muito de polícia e justiça. No Brasil o povo não confia em nenhuma delas. Teme as duas. Se nada for feito, o segundo semestre será mais negro do que o primeiro; o ano de 1998 será mais amargo do que o de 1997; e o século 21 muito pior do que o 20.