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Publicado em O Jornal da Tarde, 06/04/1994

O dumping da robótica

Os capitais não aceitam grandes disparidades. Um trabalhador alemão do setor automobilístico ganha cerca de U$ 35.000 por ano, enquanto um trabalhador de qualificação semelhante ganha US$ 9.000.

Nessa base, a Alemanha continuará sendo inundada por automóveis coreanos, que ali são vendidos pela metade do preço dos alemães. Em face disso, há duas alternativas para aquele país: proibir a entrada de bens coreanos ou reduzir o seu custo de produção.

A tentação da primeira alternativa é sempre grande. é isso que está levando os países europeus a falarem agora em "dumping social". Com essa expressão, eles desejam levar o Gatt – na sua reunião de abril – a baixar algumas normas que tornem proibitiva a compra de produtos de países exportadores que pagam salários mais baixos do que os países importadores.

A proposta vem revestida de uma retórica humanística: é para diminuir o fosso salarial que hoje existe entre as nações. Mas o objetivo real – esta na cara! – é proteger as economias mais ricas. Com isso, elas esperam estimular a produção interna, reconquistar os mercados mundiais e combater o pavoroso desemprego interno.

Entretanto, o que mais onerou a mão-de-obra na Europa foi o excesso de regulamentação do seu mercado de trabalho. A generosidade do sistema previdenciário, o protecionismo da

Legislação trabalhista, a rigidez dos contratos de trabalho, a redução das jornadas de trabalho e o prolongamento das férias colocaram vários setores em franca desvantagem em relação aos seus competidores.

OS PAÍSES QUE NãO FLEXIBILIZAREM SEUS MERCADOS DE TRABALHO, NUM FUTURO PRÓXIMO, CORREM O RISCO DE SEREM INVADIDOS PELO ROBÔS

Não é à toa que a Alemanha, além de pagar os mais altos salários, amarga, hoje, quase 10% de desemprego; a França, 11%; a Itália, 14%; e a Espanha, mais de 20%! Enquanto isso, o Japão – que também paga bons salários – tem menos de 3% de sua força de trabalho desempregada; Coréia, 2,5%; Cingapura, 2%; Formosa, 1,5%; e Hongcong, 1%.

Ou seja, os arranjos institucionais que ajudaram a proteger os trabalhadores europeus nas décadas de 50 e 60 transformaram-se em grandes empecilhos nas décadas de 70 e 80. Comprovou-se que o excesso de regidez destrói empregos, levando os capitais a criar oportunidade de trabalho onde há mais flexibilidade para contratar, descontratar, subcontratar, estender jornadas, fazer hora extra, remunerar por tarefa e assim por diante.

Só recentemente os países da Europa começaram a flexibilizar seus sistemas trabalhistas. Mas isso tem sido acompanhado de vários protestos que incomodam os governos e as eleições. Vejam o que ocorreu na greve dos metalúrgicos alemães, em 1933, quando a Volkswagen, para salvar a empresa e os empregos, teve de reduzir os salários dos seus trabalhadores. E o que vem acontecendo na França, no momento em que o governo resolveu cortar os salários dos menores aprendizes para ampliar o emprego.

é evidente que, a cada medida de flexibilização corresponde uma manifestação. Os trabalhadores europeus, é claro, gostariam de continuar no velho sistema de garantia, simultaneamente, os mais altos salários; as mais curtas jornadas; as mais longas folgas; a mais segura estabilidade; e os mais amplos benefícios previdenciários.

Esse tempo já passou. Especialmente depois da revolução tecnológica, da globalização da economia e do momento em que Japão, China e Tigres Asiáticos completaram a formação de sua mão-de-obra e capacitaram suas empresas para enfrentar o turbulento mundo da competição.

Hoje, o quadro é outro. Os salários dos países menos desenvolvidos vêm aumentando e assim vai continuar. Mas, paralelamente, a Europa tem que rever suas regras trabalhistas, reduzir os fantásticos privilégios de sua força de trabalho e enfrentar mais do que esperadas reações populares.

Convém para a Europa considerar uma outra ameaça que vagueia pela praça. Os países que não flexibilizarem seus mercados de trabalho, num futuro próximo, correm o risco de ser invadidos pelos robôs. Em 1990, a população mundial de robôs era de 400 mil unidades. Hoje em dia, ultrapassa meio milhão. A sua taxa de crescimento já é substancialmente superior à oferta de empregos para os seres humanos. Até o fim do século, o mundo terá mais de 2 milhões de robôs – a maioria, nos países avançados.

Os robôs são baratos. Eles trabalham no calor, no frio, no claro, no escuro, no ar puro e no ar poluído. Por isso, economizam energia, dispensam iluminação, refrigeração, aquecimento e purificadores de ar. Trabalham em locais apertados e insalubres. Não reclamam e não faltam no serviço. E trabalham nos fins de semana com o mesmo entusiamo que o fazem nos dias úteis.

Pela lógica dos que falam em "dumping social", o próximo passo será atuar junto ao Gatt para impedir a compra de bens produzidos por robôs. Será o dumping da robótica. Mas isso será bem mais difícil. Imaginem como crescerá a força dos robôs no momento em que aprenderem a sindicalizar e reinvindicar coletivamente...?