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Publicado no O Estado de S. Paulo, 07/05/2002.

EUA: recuperação sustentável?

Os Estados Unidos surpreenderam mais uma vez, ao anunciarem em 22/04/2002 um crescimento econômico anualizado de 5,8%. Como foi possível uma recuperação tão rápida? Será que ela vai se sustentar? Quais os reflexos para o Brasil?

Essa recuperação tem raízes profundas, cultivadas ao longo de muitas décadas, e que impactou com força nos anos 90, quando a produtividade cresceu 2,2% ao ano - 0,5% maior do que a média dos anos 80 - um salto enorme!

O que mais impressiona é que os grandes beneficiados do aumento de produtividade foram os trabalhadores. O crescimento dos salários se acelerou nos anos 90. Na segunda metade da década, o salário médio real aumentou 2,1% todos os anos. Quando se incluem os benefícios - pois, 66% dos americanos ganharam remuneração variável na década de 90, contra 30% na década anterior - o aumento anual em termos reais foi de 3,1% (David Lewin, "Variable Pay", California, Business Week, 18/03/2002).

Ao longo da década de 90, o salário médio subiu quase 15% - um resultado fantástico quando comparado com a década anterior (1,4% ao ano). Nos anos 90, o salário médio real dos "blue-collors", subiu 12%, contra 3,5% nos anos 80.

Os referidos aumentos salariais não geraram inflação porque ficaram um pouco abaixo do aumento da produtividade. Mas isso não é tudo.

A produtividade da indústria e serviços nos anos 90 foi de 2,2% ao ano. Só isso gerou um ganho adicional de US$ 812 bilhões em termos de produção vendida. Desses, US$ 806 bilhões (99%) foram apropriados pelos trabalhadores, na forma de mais trabalho e maior remuneração.

Na economia como um todo, o aumento da produtividade provocou um adicional de US$ 1,9 trilhão - quase tudo foi para os trabalhadores ("Restating the ‘90s", Business Week, 18/03/2002).

Enquanto o emprego e o salário subiram, o retorno ao capital desceu de 12,8% nos anos 80 para 11,1% nos anos 90. Apesar disso, as empresas tiveram um lucro adicional de US$$ 559 bilhões. Qual foi o milagre? As empresas lucraram com o rebaixamento da taxa de juros em suas dívidas.

Esse é um bom exemplo para mostrar que, dentro de condições especiais, os trabalhadores se apropriam de todos os ganhos de produtividade e as empresas continuam lucrando. É um jogo onde todos ganham: os trabalhadores aumentam a remuneração, e as empresas aumentam os lucros ao economizarem em suas dívidas.

Trata-se de uma operação casada de grande complexidade.

Do lado da produtividade, o aumento foi garantido, em grande parte, pelo expressivo salto na educação. Hoje, 51% da força de trabalho dos Estados Unidos têm curso superior, contra 33% na década de 80.

Do lado dos juros, o fluxo de capitais que entrou nos Estados Unidos (US$ 1,3 trilhão) superou o que saiu (US$ 1,2 trilhão), contribuindo para baixar os juros. Além disso, os capitais externos destinaram-se a setores que criaram muitos empregos de alta qualidade.

Só nos anos 90, as empresas americanas e estrangeiras investiram US$ 3,4 trilhões em tecnologia e informática, que, junto com a educação, provocaram um incremento colossal na produtividade. Foram as tarefas rotineiras e de menor salário que se transformaram em alvo das novas tecnologias. Os empregos que mais aumentaram foram os de maior remuneração.

Esse quadro continua vivo. No último trimestre de 2001, a produtividade da economia americana aumentou 5,2% e continua aumentando em 2002. Os juros permanecem num patamar inferior a 2%. Isso permitirá às empresas fazer novos investimentos, aumentar ainda mais a produtividade, criar bons empregos, acumular lucros e pagar bons salários.

Para nós, tudo isso é positivo. Podemos exportar mais para os Estados Unidos, lembrando-se que, para cada 5% de aumento trimestral no PIB americano, o Brasil costuma exportar um adicional de US$ 1 bilhão no respectivo trimestre - o que gera cerca de 80 mil empregos diretos e 160 mil indiretos.

Esse quadro ficará melhor ainda quando, aqui dentro, fizermos o mesmo "cocktail", melhorando a educação, elevando a produtividade, aumentando os salários e baixando os juros e os impostos... Oxalá tudo isso aconteça até o fim da década.