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Publicado na Folha de S. Paulo, 06/01/1989

Salários – momento para livre negociação gradual

Dois argumentos são usados pelas lideranças sindicais para se combater a livre negociação integral dos salários. Os sindicatos são muito fracos e a inflação é muito forte.

No que tange ao primeiro argumento, a Constituição de 1988 não poderia ter conferido mais força aos sindicatos. Eles dispõem hoje de uma lei de greve poderosa, imensos poderes para acionar a empresa, estabilidade ampliada, representantes de empresas, autonomia sindical, novas fontes de receita, etc. Os que ainda estão fracos só continuarão assim se quiserem. Ademais, sem negociar, eles jamais poderão se fortalecer.

No que tange ao segundo argumento, supondo-se que o anunciado "Plano de Verão" contenha um congelamento de preços por 90 dias – indesejável por várias outras razões – no campo salarial, está aí a oportunidade para se iniciar um processo de livre negociação, pois, espera-se, a inflação deverá ser baixa nesse e no período subseqüente. Os planos Cruzado e Bresser perderam tal oportunidade.

Ao se mudar a política salarial – por lei -, sugiro modificações nas sistemáticas de reajustes e julgamento dos dissídios.

Em relação à primeira mudança, proponho um encaminhamento gradual da atual política salarial em direção à livre negociação. Este poderia funcionar assim: uma vez acertadas as diferenças de URPs passadas (em função da data base), a nova lei garantiria um reajuste automático decrescente no tempo e uma ampliação da parcela negociada na base, por exemplo, do seguinte esquema: no primeiro semestre – a contar da data base (talvez o primeiro período deva ser mais de um semestre para acertar diferenças de datas-base) – seria assegurado um reajuste salarial automático em 80% da inflação passada, negociando-se qualquer adicional. No segundo semestre, coincidindo com a data base, a parte automática desceria para 50%; no terceiro semestre, baixaria para 30%; e no quarto, para 0. Dessa forma, em aproximadamente dois anos o Brasil estaria sob regime de negociação livre e integral dos salários.

Os trabalhadores certamente desejarão segurança, face a uma eventual disparada inflacionária. Nesse sentido, a própria lei deixaria às partes o estabelecimento de salvaguardas – gatilhos – mas isto, via acordos e convenções negociadas.

Em relação à sistemática de julgamento de dissídios, a nova lei deveria estabelecer que as disputas salariais não são conflitos de direito, mas sim conflitos de interesse. E, para tal, ela regularia o uso da arbitragem com base no artigo 114 da Constituição Federal. Hoje, é tradição da Justiça do Trabalho recompor os salários pela inflação passada e acrescentar um "ganho real" em cada dissídio – práticas que, no fundo, esterilizam a própria negociação.

A arbitragem, idealmente, deveria ficar no âmbito administrativo, com árbitros e advogados escolhidos e remunerados pelas partes. Não sendo isso possível por contrariarmos as tradições jurídicas, a segunda alternativa é a de se introduzir o sistema dentro da própria Justiça do Trabalho, como substituto da prática atual de julgamento de dissídios salariais, permitindo que as partes escolham o juiz-árbitro (exceto os classistas), estabelecendo que o laudo-arbitral seja irrecorrível – inspirando-se no capítulo 14 do Código de Processo Civil – e que o sistema seja o da "arbitragem de oferta final".

Neste sistema, o árbitro só pode escolher uma das ofertas finais e nenhum outro valor. Por exemplo, se o impasse é entre um pedido de aumento de 130% por parte dos empregados e 50% por parte dos empresários, o árbitro só poderá escolher um dos dois valores. O árbitro pode devolver as ofertas às partes para que estas negociem mais e melhor.

A arbitragem de oferta final impõe grandes riscos e cria enorme incerteza para as partes – o que é bom, pois isso evita a apresentação de propostas muito díspares ao árbitro. Ao contrário, sob tal sistema, empregados e empregadores tendem a negociar lealmente, com livros abertos, ofertas próximas e tudo fazendo para não ir á arbitragem.

No setor público (administração direta e estatais) a arbitragem de oferta final para matérias salariais poderá ser sujeita ainda a parâmetros de política econômica com base nos artigos 37 e 169 da Constituição. Os colaboradores do setor público saberão que, se de um lado têm mais estabilidade, de outro, seus salários seguem orçamentos, dotações e normas superiores. Neste aspecto, a nova lei salarial precisaria definir bem tal matéria assim como facilitar a saída dos descontentes.