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Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/05/2004.

A informalidade asfixia o salário mínimo

Não é a primeira vez nem será a última, em que a novela se repete: o governo deixou de aprovar um salário humano devido ao rombo que isso causaria nas contas da Previdência Social.

Em 2004, o salário mínimo teve R$20,00 de aumento. Cerca de 14 milhões de beneficiários do INSS receberão R$260,00 para passar um mês, ou seja, R$8,66 por dia. Nos casos de marido e mulher, onde só o primeiro é aposentado, essas pessoas terão de viver com R$4,33, ou menos de US$1,50 por dia - que está perto da linha da pobreza mundial.

Alguns acharam a solução "responsável", dando a entender que a promessa de campanha de dobrar o salário mínimo em quatro anos foi irresponsável. Outros defendem uma solução devastadora - a desvinculação do salário mínimo da Previdência Social. Dessa forma, o salário mínimo dos trabalhadores do setor privado aumentaria com folgas e os benefícios dos aposentados e pensionistas seriam arrochados muito além do suportável.

Nada mais truculento. Se os beneficiários da Previdência Social têm de viver hoje em dia com menos de US$1,50 por dia, o que deseja essa gente que almeja a referida desvinculação? Matá-los para não atrapalhar as contas públicas?

Convenhamos. Os políticos e governantes não querem enfrentar esse problema com realismo. Todos sabem que o maior responsável pelo rombo da Previdência Social é esse espantoso mercado informal de trabalho, no qual estão inseridas cerca de 48 milhões de pessoas que nada recolhem para os cofres do INSS. Isso significa que 60% dos brasileiros que trabalham não contribuem para a Seguridade Social.

Muitos argumentam que essa avalanche de pessoas não causa nenhum dano, pois elas não são beneficiadas por aposentadorias e pensões. Não é verdade. Vários benefícios são universais. Todos os brasileiros que chegam aos 67 anos e provam não ter recursos suficientes para viver, são amparados com um salário mínimo até o fim da vida, tenha ou não contribuído para a Previdência Social. O mesmo acontece com várias outras categorias.

Os apressadinhos dizem: vamos cortar os benefícios dessas pessoas porque, afinal, nada contribuíram. Muito fácil. E elas viverão de que?

Outro benefício universal é o atendimento à saúde. Sejam ou não contribuintes, os brasileiros que se machucam ou adoecem são atendidos pelos hospitais do SUS, que, por sua vez, dependem de contribuições à Seguridade Social. Os mesmos apressadinhos dentro de sua imensurável desumanidade, defendem: vamos cortar esse atendimento, limitando-o apenas aos contribuintes. Também é fácil. E essas pessoas vão se curar aonde?

Não há outro caminho. O Brasil precisa enfrentar o problema da informalidade e isto depende de mudanças amplas - e não tópicas - nas leis trabalhista e previdenciária.

Quando se fala nisso, o mundo vem abaixo. Os demagogos logo se apresentam para faturar votos ao defender a tese de que os "direitos sociais" dos trabalhadores são intocáveis; são cláusulas pétreas conquistas sociais irreversíveis. A imprensa dá grande repercussão a esse elitismo. Sim, porque as leis trabalhista e previdenciária protegem a minoria e causam uma brutal devastação na vida da maioria dos brasileiros.

Não é possível continuar com a situação dos que, protegidos por leis injustas, abrigam-se na cidadela guarnecida e condenam o restante da sociedade a permanecer na exclusão social. Enquanto isso não for resolvido, o salário mínimo continuará como salário de fome. Na base dos aumentos concedidos em 2003 e 2004, ele só dobrará o seu poder de compra depois da morte das gerações atual e futura - 50 anos!

A informalidade é uma praga que corrói a possibilidade de se ajudar os pobres. E, no Brasil, ela é produto de leis injustas e tributação e burocracia exageradas em todos os campos, inclusive no trabalho. Das 4.124 mil empresas formais existentes no Brasil, 4.080 mil são micro e pequenas. Como podem elas arcar com toda a burocracia e despesas para fazer alguma contratação formal que chegam a 103,46% do salário?

A esmagadora maioria dos trabalhadores informais se concentra exatamente nessas empresas e nos 10 milhões de outros empreendimentos que são informais, em geral, trabalhadores por conta própria.

Esse é o Brasil. É para esse Brasil que precisamos leis realistas. Não podemos continuar tributando como se fôssemos um povo rico. Em matéria trabalhista, de nada adianta querer o ótimo de proteção se esta abriga apenas 40% da população e ocasiona um rombo de R$80 bilhões anuais na Previdência Social. Se nada mudar, o salário mínimo dos próximos anos continuará de fome.

Bom para os demagogos. Triste para a população.