Publicado no O Estado de S. Paulo, 23/04/2002.
Pirataria e trabalho informal
José Pastore
O Jornal Nacional do dia 10 de abril de 2002 noticiou que um CD do conjunto "Falamansa" foi colocado à venda antes de ser gravado! Os "piratas" filmaram um show ao vivo dos reis do forró, selecionaram as melhores músicas e lançaram o CD em nível nacional. Que ousadia!
Anotem um outro caso. Os patrocinadores da cruzada de prevenção do câncer da mama, que vendiam camisetas com o símbolo da campanha a R$ 25,00 (recolhendo R$ 6,50 para fins beneficentes), descobriram que camisetas idênticas estavam sendo vendidas pelos piratas a R$ 5,00 nas ruas de São Paulo.
A pirataria não perdoa nem a filantropia. Os piratas não têm causa; não pagam impostos; não contribuem para a Previdência Social. Mas, quando adoecem e envelhecem buscam o apoio do Estado - engrossando o já explosivo mercado de trabalho informal.
Em fevereiro de 2002, o Ministério da Previdência e Assistência Social revelou que 60% da população ocupada do Brasil não tem proteção providenciaria. São os 40,2 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade, a maioria dos quais usa intensamente os serviços da seguridade social, causando um déficit monumental. Em 2001, A Previdência Social teve um buraco de R$ 13 bilhões (1,1% do PIB).
Há três tipos de trabalhadores nesse marcado: (1) os que não têm renda para pagar as contribuições atuais da Previdência Social; (2) os que estão entre 10 e 15 anos de idade, portanto, abaixo da idade de trabalhar e se inscrever da Previdência Social; (3) os que têm mais de 60 anos e perderam a ilegibilidade para a Previdência Social. Os três grupos somam 22 milhões de pessoas.
Dessa forma, são apenas 18 milhões os que teoricamente poderiam contribuir para a Previdência Social. Cerca de 8,5 milhões são trabalhadores por conta própria; 9,5 milhões são empregados que trabalham sem registro em carteira - dos quais dois milhões são empregados domésticos.
No que tange aos 9,5 milhões de empregados ilegais, pode-se argumentar que o problema se resolve com melhor fiscalização. Admitamos que assim seja. Ainda sobram 30,5 milhões de desprotegidos. Como resolver esse mega-problema?
A legislação providenciaria possui as figuras dos contribuintes individuais, segurados facultativos e segurados especiais. No ano 2000, graças a um louvável esforço do Ministério da Previdência e Assistência Social, houve 1,5 milhão de inscrições adicionais nessas categorias.
Entretanto, mais da metade dos novos segurados especiais é composta de pessoas do meio rural, próximas dos 60 anos - para as quais não há necessidade de comprovar tempo de contribuição para aposentar. Para o INSS é uma despesa sem contrapartida de receita.
Uma outra parcela expressiva, é composta de mulheres que desejam usufruir o salário-maternidade. Muitas delas, após usar o benefício, desvinculam-se da Previdência Social. Para o INSS é uma despesa certa e receita incerta.
Quando se juntam todos esses casos, compreende-se porque a informalidade é a maior responsável pelo déficit da Previdência Social é tão grande. Como gerir um universo desse tipo com apenas 40% dos brasileiros contribuindo? Até aqui se apelou para o aumento das alíquotas. Hoje, 22% são pagos pelos empregadores e 10% pelos empregados - o que dá, praticamente, 1/3 da folha de salário. Mesmo assim, espera-se um déficit de R$ 16 bilhões em 2002 - 80% do que se espera arrecadar com a CPMF!
O combate à informalidade é urgente e necessário. Isso inclui os camelôs e as demais variedades de vendedores clandestinos que contribuem para criar empregos nos países que fabricam produtos piratas e fazem aumentar o mercado informal no Brasil. Para cada 100 novos postos de trabalho criados, cerca de 70 são informais. É um absurdo. Isso tem de mudar.
Todavia, a reforma previdenciária só vingará se for acompanhada de uma reforma trabalhista. De nada adianta garantir proteções máximas na CLT que dependem de contribuições nulas à Previdência Social.
Precisamos de um sistema de proteções atrelado às pessoas e não aos empregos e com alíquotas diferenciadas e mais baixas. Essas características são essenciais para proteger os seres humanos na falta de trabalho, na hora da doença, na chegada da velhice e no amparo dos após a morte.
A concretização dessas reformas gêmeas (trabalhista e providenciaria) - e, talvez, trigêmeas, incluindo a tributária - é fundamental para se reduzir a informalidade e garantir a todos os brasileiros uma proteção condigna, pelo menos, naqueles quatro momentos críticos da vida de todos nós.
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