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Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/05/2001

A informalidade está arruinando a Previdência

José Pastore

Segundo o Ministério da Previdência e Assistência Social, dos 70 milhões de brasileiros que trabalham no setor privado, apenas 30 milhões estão protegidos contra o desemprego, incapacidade temporária ou permanente, e estão entre os que contam com licença maternidade, aposentadoria e pensão por morte.

Quarenta milhões estão fora dessa proteção, o que atinge seus familiares. É um número assustador em face de conhecidas conseqüências: insegurança pessoal, corrosão do tecido social e escalada do crime e da violência.

Quem são esses 40 milhões de desprotegidos? Dentre eles há três contingentes que somam 22 milhões: (1) os que têm renda insuficiente para pagar as contribuições atuais da Previdência Social; (2) os que estão entre 10 e 15 anos de idade, portanto abaixo da idade de trabalhar e se inscrever da Previdência Social; (3) os que têm mais de 60 anos e enorme dificuldade para preencher as condições de filiação à Previdência Social ("Previdência e estabilidade social", Informe da Previdência, fevereiro de 2001).

Quem são os 18 milhões de contribuintes potenciais e que não contribuem para a Previdência Social? Cerca de 8,5 milhões são trabalhadores por conta própria; 7,5 milhões são empregados que trabalham na ilegalidade; e 2 milhões são empregados domésticos sem registro em carteira.

Mesmo que - por uma hipótese heróica - os 9,5 milhões de empregados viessem a ser legalizados por força da fiscalização, restariam 30,5 milhões de brasileiros que não se enquadram nas regras vigentes. O que fazer?

A legislação previdenciária possui as figuras dos (1) contribuintes individuais, (2) segurados facultativos e (3) segurados especiais. No ano 2000, houve 1,5 milhão de inscrições nessas categorias.

Quem são esses novos contribuintes? Mais da metade é composta de pessoas do meio rural e que estão próximas dos 60 anos, para as quais não se necessita comprovar tempo de contribuição para aposentar, mas apenas idade – uma verdadeira bomba relógio para a Previdência Social que terá de bancar mais despesas, sem contrapartida.

Uma outra parcela (expressiva), é composta de mulheres que buscam qualificar-se para receber o salário-maternidade - uma outra bomba de explosão mais rápida pois, muitas das contribuintes, após usarem o benefício, desvinculam-se da Previdência Social ("A Mulher na Previdência Social, Informe de Previdência Social, março de 2001).

O mercado informal é assim mesmo. Há um ziguezague contínuo. As pessoas trabalham alguns meses (ou anos) no mundo do emprego (protegido) e outros no mundo do trabalho (desprotegido). A instabilidade é a marca da informalidade.

Repetindo, o quadro é grave. Para cada dez brasileiros, quatro são incluídos, e seis são excluídos de um mínimo de proteção. É preciso agir – e agora!

Além da propalada e incompleta reforma da previdência social, há muita coisa a ser feita no campo trabalhista. Quatro medidas complementares poderiam ajudar a aumentar a proteção social no Brasil.

1. Os que trabalham na condição de empregados em empresas organizadas - poder-se-ia estender a proteção através de uma melhoria da fiscalização. Mesmo assim, todo cuidado é pouco. Apertar demais uma micro empresa com as despesas de contratação atuais (102% sobre o salário), pode destruir a empresa e seus empregos.

2. Para esse mesmo grupo, a lei poderia garantir um mínimo de proteção para todos, abrindo a empregados e empregadores, a possibilidade de ampliar essa proteção através da negociação, fazendo-a prevalecer sobre a legislação.

3. Para o grupo de pessoas de renda muito baixa, poder-se-ia multiplicar os programas de renda mínima (tipo bolsa escola), deduzindo-se dessa renda, uma pequena parte para cobrir garantias mínimas da Previdência Social.

3. Finalmente, para o grupo de renda mais alta, seria de grande utilidade ampliar e estimular os programas de previdência facultativa, tributados levemente, para gerar recursos para a previdência pública.

Enquanto muitos "pintaram e bordaram" o 1º de maio nas ruas do Brasil, a Social Democracia Sindical lançou, naquela data, um projeto de lei que busca equacionar esse grave problema ("Simplesmente Trabalhador"). A peça é complexa e não promete milagres, mas merece o estudo de quem se preocupa com a segurança social, o tratamento condigno e o futuro das nossas gerações.

O ataque à desproteção exige uma orquestração de políticas convergentes nos campos trabalhista e previdenciário. O que não se pode, é continuar inerte diante do crescimento dos excluídos, das soluções pífias na Previdência Social e da morte anunciada do sistema brasileiro de seguridade social.