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Publicado no Jornal da Tarde, 18/09/2002.

As causas legais das desigualdades

Nestes dias de campanha eleitoral, o que não falta é promessa para reduzir a desigualdade e ajudar os excluídos.

Penso que grande parte da desigualdade e da exclusão sociais decorrem de leis de má qualidade que ainda dominam o nosso quadro legal. Examinemos alguns exemplos.

1. Dos 70 milhões de brasileiros que trabalham, apenas 28 milhões são protegidos pelas instituições do trabalho e da previdência social; 42 milhões são desprotegidos. Estes, quando ficam doentes, não dispõem de licença remunerada para tratar da saúde; quando ficam desempregados, não há seguro-desemprego; quando páram de trabalhar, não há FGTS; quando envelhecem, não há aposentadoria; quando morrem, não deixam nada para seus descendentes.

2. A Lei 9.601/98 que visou incorporar uma parte dos trabalhadores informais dentro do mercado formal através da contratação por prazo determinado e protegido (e com menos despesas de contratação), estabelece que a referida contratação só pode ser feita com a aprovação do sindicato que representa os empregados na empresa onde há vagas. Quando os empregados e o sindicato não querem, não há contratação. Essa lei colocou o destino dos excluídos nas mãos dos incluídos. É um belo exemplo de injustiça social legal.

3. O caso do seguro-desemprego é eloqüente. Os 20% mais pobres recebem apenas 3% dos seus recursos. O restante é apropriado pelos não pobres. É a lei que estabelece essa diferença.

4. Na previdência social dá-se o mesmo. Os 20% mais pobres ficam com apenas 7% do que o País gasta com aposentadorias e pensões. O restante vai para os não pobres. Uma lei que deveria ser um "bem público" é um exemplo de "mal público".

5. Ainda nesse campo, o valor médio da aposentadoria dos pobres que recebem do INSS é de 1,8 salários mínimos. O valor da aposentadoria dos funcionários públicos é de 14,4 salários mínimos. Essa distorção é garantida por lei.

6. Há desigualdades mais extravagantes. A Constituição Federal exige a freqüência obrigatória à escola dos 7 a 14 anos mas só permite ao jovem trabalhar quando completar 16 anos. Ora, o quê o jovem vai fazer entre os 14 e 16? Por quê criar esse vácuo por lei?

7. No campo da educação, enquanto os brasileiros mais pobres têm enormes dificuldades para concluir a 8a. série, os brasileiros mais ricos, que fazem os cursos médios em escolas caríssimas, cursam universidades públicas inteiramente gratuitas, quando as pesquisas mostram que mais de 75% desses estudantes poderiam pagar alguma coisa para ajudar os que não podem pagar a cursar as mesmas universidades.

Mas por quê tantas distorções? Porque as leis foram cunhadas com esse viés: os incluídos contam com direitos. Os excluídos contam com destino. Isso decorre do processo de elaboração das mesmas. Na maioria das vezes, os projetos que visam proteger os excluídos, no final de sua tramitação, acabam reforçando a proteção dos incluídos.

Durante o processo legislativo, os incluídos agem através de organizações bem montadas que, se necessário, espalham até o terrorismo de informações para assustar os parlamentares, muitos dos quais estariam dispostos a atender melhor os excluídos.

Na discussão de projetos de lei, os excluídos nunca são convocados. Eles são pretensamente representados por integrantes de corporações que usam a retórica da igualdade para manter os seus benefícios dentro de cidadelas protegidas por leis anteriores e derivando benefícios das novas proteções.

As causas da desigualdade sociais são múltiplas. Mas as leis de má qualidade são o principal determinante na área social. No passado, as oligarquias dos ricos dominaram a cunhagem das leis e o próprio Estado. Hoje são os grupos neo-corporativistas que impedem a ampliação da justiça social. O novo Presidente da República terá de liderar uma ampla cruzada em favor dos excluídos. Para isso, precisará de idéias, capacidade e reconhecimento junto ao Congresso Nacional.