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Trabalho apresentado no
XXV Encontro Anual da ANPOCS,
Caxambu, de 16 a 20 de outubro de 2001.

Análise dos Processos de Mobilidade Social no Brasil no Último Século

Universidade de São Paulo
Nelson do Valle Silva
IUPERJ

O Brasil continua sendo uma sociedade de contrastes. É um país de muita mobilidade social e enorme desigualdade. Ao longo do último quarto de século, o Brasil seguiu exibindo um intenso movimento de sobe e desce na estrutura social, e mantendo as mesmas dificuldades de acesso às novas e melhores oportunidades sociais.

Esta pesquisa examina a dinâmica da mobilidade social no Brasil, comparando dados de 1973 com informações semelhantes de 1996. Através da análise de "coortes de idade" dos informantes (chefes de família, homens, entre 20 e 64 anos de idade), os dados permitem visualizar, na prática, a evolução da estrutura social brasileira ao longo de todo o século XX.

Os estudos de mobilidade social não são "flashes" de curto prazo. Ao contrário, eles se aproximam de "filmes" que procuram captar a dinâmica e a evolução das sociedades através de décadas. Descobrir qual foi a posição social de uma pessoa de 60 anos no início da sua carreira significa saber o que ocorreu com ela há quase 50 anos atrás, ou seja, no final da década de 40. Comparar com a posição social de seu pai implica em recuar ainda mais no tempo, chegando-se a 60, 70 e até 80 anos atrás - ou seja, ao início do século XX.

O estudo dos agregados de pessoas de várias idades permite visualizar não só a trajetória social entre gerações e dentro da mesma geração, como também a forma da estrutura social e da composição de estratos sociais em vários tempos. Por isso, as pesquisas sobre mobilidade social têm a capacidade de registrar mudanças de longo prazo e de grande profundidade.

A Mobilidade do Passado

O que se pode dizer sobre a mobilidade social e a estrutura de estratos do passado? Os dados de 1973 captaram os movimentos ocorridos na economia e nos mercados de trabalho em várias décadas anteriores. Uma pessoa de 64 anos em 1973, por exemplo, entrou no mercado de trabalho em 1923, ou antes disso. Os indivíduos de 40 e 50 anos de idade em 1973, começaram a trabalhar nas décadas de 40 e 30. Os mais jovens, iniciaram a sua carreira nas décadas de 60 e 50. Por isso, a mobilidade registrada nos dados de 1973 refletiu transformações da economia brasileira em longo prazo.

O Brasil do início do século XX era predominantemente rural; a migração rural-urbana era modesta; e a industrialização, ainda incipiente, dava os seus primeiros passos. Os poucos empregos industriais, daquela época, relacionavam-se aos subsetores tradicionais, como o têxtil, o agroindustrial, etc.

A década de 20, porém, foi marcada por um aumento da capacidade de produção em várias áreas, em particular nas de energia, cimento e aço, elevando-se também a importação de bens de capital. Aquela década deixou de registrar mudanças estruturais de vulto (exceto a decorrente da crise de 1929), mas proporcionou as bases para a industrialização subsequente baseada na substituição de importações.

O desempenho econômico do Brasil na década seguinte foi bastante razoável, a despeito da crise de 1929/1932. As substituições de importações ampliaram-se, e a economia começou a voltar-se gradualmente para o setor interno. No início do período, a industrialização baseou-se em certa capacidade ociosa acumulada no final da década de 20; mas, em seguida, processou-se uma clara expansão da base industrial, emergindo novos setores, como os de metalurgia e química. No período 1930/1940, ao lado dos novos setores industriais, verificou-se a expansão do comércio, dos meios de transporte e um certo redirecionamento da economia de fora para dentro.

A década de 40 e, mais particularmente, a Segunda Guerra Mundial vieram acelerar sobremaneira o processo acima descrito. As dificuldades de importação acabaram por proteger inúmeros setores da indústria nacional. A economia passou a crescer a taxas muito altas (4,8% ao ano), destacando-se o setor industrial com um crescimento anual de 7,2%.

Esse crescimento prosseguiu na década de 50, de modo que, no final do período, a maior parte do mercado interno já era suprida com bens produzidos no próprio país, complementando-se assim o ciclo de substituição de importações de bens de consumo e iniciando-se (de modo acelerado) a produção de bens duráveis. Foi também na década de 50 que o capital estrangeiro entrou maciçamente para apoiar a industrialização.

Os dados coletados em 1973, refletem todas essas mudanças na economia, revelando muita mobilidade social. Em relação aos seus pais, quase 50% dos filhos (47,1%), subiram na escala social; 41,6% ficaram imóveis, permanecendo na mesma posição de seus pais; e 11,3% desceram na escala social.

Examinando os dados de forma agregada, verificamos que quase 90% dos filhos chegaram a uma situação social igual ou melhor do que a de seus pais; pouco mais de 10% pioraram. Mesmo assim, a análise por "coortes" de idade revelou que, tanto a imobilidade quanto a mobilidade descendente eram mais acentuadas entre os mais jovens (20 a 30 anos) e os mais velhos (51 a 64 anos), enquanto que a mobilidade ascendente era mais freqüente nos "coortes" intermediários (31 a 40 anos e 41 e 50 anos).

Os mais velhos (51 a 64 anos) refletiam uma situação consolidada e, por isso, já não tinham mais tempo de subir na escala social. Os mais jovens (20 a 30 anos), porém, estavam no início de suas carreiras, tendo muita chance de chegar, e até ultrapassar a posição de seus pais.

Os dados revelaram que, de um modo geral, a maioria subiu pouco e a minoria subiu muito na escala social. Em outras palavras, a maior parte da população passou de um estrato social baixo para outro imediatamente superior. A menor parte, saltou vários degraus na escala social.

A conjugação desses movimentos provocou um estiramento da estrutura social e, portanto, uma acentuação da desigualdade. O estudo com base nos dados de 1973 esclareceu o aparente paradoxo entre os dois fenômenos ao mostrar que mobilidade e desigualdade convivem há várias décadas na estrutura social brasileira (Pastore, 1979).

O grosso da mobilidade ascendente foi na base da pirâmide social, mesmo porque uma grande parte dos pais eram de origem rural, desfrutando de um status social muito baixo, a partir do qual toda e qualquer movimentação dos filhos representaria ascensão social.

As transformações do mercado de trabalho ocorrida ao longo dos anos 50 a 70, em especial, a abertura de oportunidades nas cidades e intensificação da migração rural-urbana, impulsionaram uma grande quantidade de indivíduos a atingir uma situação social mais alta do que a de seus pais. As grandes massas que entraram nas ocupações do baixo-terciário das zonas urbanas (trabalhos manuais sem qualificação) ascenderam em relação aos seus pais.

Dado o fato da grande maioria das famílias ser constituída na base de chefes homens (entre 20 e 64 anos), concluiu-se, com base nos dados de 1973, que a mobilidade social foi um fenômeno que teve reflexos não apenas no chefe mas em toda unidade familiar, atingindo uma larga parcela da população brasileira. A ascensão social representou a melhoria do padrão de vida, uma elevação do nível de consumo, e a abertura de novas oportunidades de acesso à escola, ao trabalho e à renda para uma parcela significativa das novas gerações.

Ao comparar a estrutura social formada pelos pais com a estrutura social formada pelos filhos, ambas hierarquizadas em seis estratos sociais, com a necessária cautela, foi possível identificar uma forte redução dos estratos inferiores e uma ampliação dos estratos médios e alto. O Brasil começou a assistir a formação de uma classe média bastante razoável. O estrato baixo-inferior, por exemplo, reduziu-se de 64,9%, no caso dos pais, para 32,0%, no caso dos filhos, que deixaram o piso da pirâmide social, encaminhando-se para as posições mais altas. A parcela da população envolvida com atividades rurais caiu pela metade.

Os que nasceram no estrato baixo-superior, composto de status referentes a ocupações manuais de baixa qualificação das cidades (vigias, serventes, braçais, etc.) também subiram: a participação desse estrato social saltou de 6,9%, entre os pais, para 16,0%, entre os filhos.

O estrato médio-inferior, composto de ocupações manuais de certa qualificação (motoristas, pedreiros, marceneiros, pintores, etc.) deu um salto maior ainda, tendo passado de 9,3%, entre os pais, para 23,8% entre os filhos.

O estrato alto, a chamada classe alta ou elite, embora pequeno, passou de 2,0%, entre os pais, para 3,5% entre os filhos - um aumento reduzido em termos absolutos, mas muito expressivo em termos relativos.

Embora a maior parte da ascensão social tenha sido de curta distância, convém revisitar os dados de 1973 para se ter uma visão mais clara do padrão de mobilidade dos indivíduos localizados nos diferentes estratos sociais.

Assim, entre os filhos que nasceram de pais que pertenciam ao estrato baixo-inferior (trabalhadores da zona rural) e que subiram na escala social, cerca de um terço passou para o estrato baixo-superior (trabalhadores não qualificados da zona urbana), podendo-se dizer terem saído da pobreza rural e entrado para a pobreza urbana. Tratam-se de ganhos imediatos pequenos, mas que têm grande significação para o futuro de seus filhos. As crianças do meio urbano sempre tiveram muito mais acesso à educação do que as do meio rural. As ocupações das cidades eram mais diversificadas. As oportunidades de trabalho eram igualmente maiores. Tudo isso representou um ganho potencial substancial de longo prazo para os que passaram do status baixo-inferior para o status baixo-superior.

É importante notar ainda que dois terços dos filhos de pais de status baixo-inferior subiram para posições bem mais elevadas: cerca de 38% ingressaram no primeiro estrato médio, nas ocupações manuais qualificadas como as exemplificadas acima (estrato médio-inferior). Nesse caso, a mudança de vida foi mais imediata. Uma coisa é sair da zona rural e ser lixeiro ou engraxate na zona urbana; outra é tornar-se um carpinteiro ou eletricista nas grandes cidades.

Cerca de um quarto dos indivíduos móveis, cujos pais eram de origem rural, chegaram ao estrato médio-médio, explorando o mundo das ocupações não-manuais qualificadas (auxiliares de escritório, vendedores pracistas), ou se transformaram em pequenos proprietários, chefes e administradores na agropecuária.

Daí em diante, a estrutura social revelou-se menos "porosa" para os filhos cujos pais tinham origem rural. Mesmo assim, 2,5% chegaram ao estrato médio-superior e 1% atingiram o topo da pirâmide social, o estrato alto.

Os que nasceram de pais que já estavam no estrato baixo-superior (profissões manuais não qualificadas das cidades) trilharam, aproximadamente, o mesmo percurso. Cerca de 55% subiram apenas um degrau na escala social, e 45% mais de um degrau.

Mas, ao se levar em conta que a distância entre os vários estratos é crescente, pois é muito mais difícil navegar no topo da estrutura social do que na base, a conclusão da pesquisa de 1973 foi que, uma minoria dos chefes de família do Brasil fez ascensão social de grandes distâncias.

Essa movimentação gradual, de baixo para cima, é própria das sociedades que iniciam o processo de mobilidade social. Entre 1940 e 1970, o Brasil saiu de uma sociedade agrária e ingressou na era industrial. A migração se intensificou. A população deixou de ser predominantemente rural para ser predominantemente urbana.

Mas, as novas e boas oportunidades de trabalho surgiram para uma minoria - em geral mais educada - e não para a maioria das pessoas. Mesmo assim, a estrutura das ocupações tornou-se mais heterogênea. No mundo urbano, um grande número de ocupações diferenciadas se distribuiu ao longo de toda estrutura social - bem diferente do mercado de trabalho rural que concentrava quase todas as ocupações na base da pirâmide social.

Entre 1960 e 1970, a indústria de transformação aumentou de forma extraordinária a sua participação relativa no emprego, tendo passado de 8,6% para 11%. Esse movimento continuou por vários anos. Ao longo da década de 70, a participação do emprego industrial saltou para 15,7% (Silva, 1991).

Mais importante do que a mera expansão do emprego foi o fato dessa expansão ter ocorrido, de forma mais acelerada, nas indústrias "modernas" (automóveis, metalurgia, química, petroquímica, etc). O emprego nas indústrias "tradicionais" (têxtil, couro, vestuário, madeira e móveis, alimentos e bebidas, cerâmica e vidro) aumentou mais lentamente.

Na década de 70, somando-se ao dinamismo das indústrias modernas, ocorreu uma reativação no emprego nas indústrias tradicionais. Neste sentido, foi notável o crescimento do subsetor da construção, que fez o emprego crescer de 3,4% em 1960, para 7,2% da PEA no final dos anos 70. Esse crescimento esteve ligado ao aumento da população urbana, a implantação do Sistema Financeiro da Habitação e à expansão das obras públicas. Com um salário médio próximo do salário mínimo, a construção de habitações e de obras públicas incorporou ao mercado de trabalho urbano, em posição social mais alta do que a sua origem, uma grande massa de migrantes de origem rural de sexo masculino.

Mas, a expansão da indústria e dos serviços urbanos passou a demandar, também, um número crescente de trabalhadores qualificados, particularmente para atividades de controle da produção e da administração das empresas públicas e privadas.

Nos estágios iniciais de desenvolvimento, predomina a "mobilidade estrutural". Neste tipo de mobilidade, as pessoas sobem na estrutura social ao preencher as novas vagas, independentemente de estarem preparadas para o exercício das funções.

Foi isso que ocorreu com a mobilidade registrada pelos dados de 1973. No Brasil dos anos 50 a 70, a passagem de grandes massas de indivíduos de ocupações manuais para não-manuais foi facilitada pela criação de vagas na indústria e no comércio e serviços das zonas urbanas que foram preenchidas por quem tinha e quem não tinha educação. Bem diferente é a mobilidade circular na qual, para uma pessoa subir na pirâmide social, outra tem de descer ou sair de uma posição mais alta (por morte, desemprego ou aposentadoria).

Nas economias mais avançadas, grande parte dos empregos criados na indústria, comércio e serviços demanda qualificação e distribui renda e prestígio para amplas massas da população. Nas sociedades de desenvolvimento tardio, como é o caso do Brasil, não se observaram a mesma expansão de empregos e diferenciação da estrutura ocupacional. Entre nós, expandiu-se muito o segmento chamado baixo-terciário que reúne as ocupações urbanas de baixa qualificação.

Mas, aqui há dois fatos importantes a considerar. Em primeiro lugar, é óbvio que os poucos empregos que surgiram no alto-terciário, estimularam muita ascensão social para os que foram trabalhar nos bancos, administração pública, gestão das empresas estatais, pessoal técnico e profissionais liberais. Tais indivíduos, embora reduzidos em número, passaram a usufruir de altas rendas, prestígio e mobilidade, tudo isso facilitado pela melhor educação que tiveram o privilégio de conseguir ao longo do processo. Essas pessoas subiram muito na escala social, provocando um aumento da desigualdade.

Em segundo lugar, a multiplicação de empregos do baixo-terciário, de pouca qualificação, distribuiu pequenas gratificações e prestígio social para enormes massas de trabalhadores, como é o caso dos entregadores, office-boys, vendedores ambulantes e toda uma gama de ocupações do setor informal urbano.

Para uma melhor compreensão do aumento do mercado informal urbano, Silva chama a atenção para a redistribuição espacial da população, ocorrida entre os anos 50 e final dos anos 70. Em 1950, pouco mais da terça parte da população brasileira vivia em cidades; no final dos anos 70, a taxa de urbanização ultrapassou os dois terços da população total (Silva, 1991).

Durante os anos 60 e 70, as taxas de crescimento anuais das metrópoles brasileiras ultrapassaram a marca dos 4% ao ano, exceção às regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Recife. Particularmente notável foi o crescimento das periferias das áreas metropolitanas que, em vários casos, ultrapassou os 10% anuais. A periferia de Salvador cresceu a 12,5% ao ano; a de Curitiba a 15,4%; a de Fortaleza, 15,0%; e a de Belém, 16,5% ao ano. A inchação das cidades teve muito a ver com a expansão dos serviços e das ocupações do baixo-terciário.

O mercado de trabalho do Brasil, portanto, foi marcado, entre 1940-70 por uma expansão no número de empregos e diferenciação da estrutura de ocupações. A mobilidade social decorreu do preenchimento de mais e novas vagas nos setores da indústria, comércio e serviços - tudo isso permeado por uma forte aceleração do crescimento econômico. Nas décadas de 50 e 60, o PIB brasileiro cresceu entre 5% e 7% ao ano. Esse crescimento acelerou ainda mais no final da década e início dos anos 70. No período de 1967-73, a média foi de 11,2% ao ano -o "milagre brasileiro". No ano de 1973, quando os primeiros dados de mobilidade social foram coletados pelo IBGE, o crescimento atingiu o pico de 14%.

A sucessão de recordes de crescimento gerou muitas e diversificadas oportunidades de trabalho nas zonas urbanas. Mas houve um fator adicional importante na aceleração do crescimento econômico e da própria mobilidade social: o Estado.

Durante todo o período que vai de 1950-80, a expansão dos setores modernos da economia foi sustentada, em grande parte, pelos investimentos do governo. A criação de empresas privadas nos setores de ponta e de empresas estatais no setor de infra-estrutura, associou-se à expansão do setor financeiro e de outros serviços, criando a referida diversificação de ocupações nas zonas urbanas, o que constituiu uma força poderosa na promoção da mobilidade estrutural, redundando na ascensão social dos profissionais que vieram a ocupar as vagas criadas. Bem diferente ficou o quadro na maior parte da década de 80 e toda década de 90, como veremos a seguir.

A Mobilidade do Presente

Os dados mais recentes, de 1996, reproduziram o fenômeno anteriormente observado. A mobilidade social continuou intensa, com pequenas variações. E a estrutura social permaneceu desigual.

Para os dados a que se refere a amostra de 1996, (chefes de família, homens, de 20 a 64 anos de idade), houve um aumento de cerca de 5% de brasileiros móveis, quando comparados com os dados de 1973.

O incremento de 5% na mobilidade social indica uma sociedade um pouco mais dinâmica, sem dúvida. Porém, como o verificado em 1973, o grosso da mobilidade ascendente continuou sendo de curta distância, e decorrente do esvaziamento gradual do estrato social mais baixo e composto de trabalhadores rurais.

Os dados do passado diziam que a mobilidade social no Brasil era predominantemente "estrutural", ou seja, decorria da transformação na composição setorial do mercado de trabalho. As pessoas, mesmo sem grande preparo profissional, aproveitaram bem as oportunidades de trabalho que surgiram em decorrência da criação dos novos empregos na indústria, comércio, bancos, empresas estatais, administração direta e outros que marcaram os anos de 1950-70.

De fato, no passado, houve pouca mobilidade "por trocas" de posições (mobilidade circular), que geralmente ocorre nas sociedades mais desenvolvidas. Mas, o Brasil atual exibe uma leve redução da mobilidade estrutural e uma razoável elevação da mobilidade circular que aumentou 24% entre 1973-96.

Tudo indica que o mercado de trabalho está se tornando mais competitivo. Para algumas pessoas subirem, outras têm de desocupar a posição que ocupam. O peso da qualificação, competência e educação aumentou, quando se comparam os dados de 1996 com os de 1973.

Nas décadas mais recentes, a estrutura ocupacional brasileira abriu-se em áreas importantes. No topo da pirâmide, por exemplo, o estrato social mais alto - a elite - passou de 3,5% para quase 5% e o estrato médio-superior - classe média alta - saltou de 6% para quase 7,5%. No caso da elite, o aumento foi de 43% e no do estrato médio superior, 25%.

No Brasil dos últimos 25 anos, portanto, os estratos mais altos passaram a abrigar uma proporção maior de chefes de família. No nível mais baixo, verificou-se um aumento de 16% para 23,5% no estrato baixo-superior (trabalhadores manuais urbanos sem qualificação) e de 24% para 27% no estrato médio-baixo (trabalhadores manuais urbanos com qualificação).

O que chama mais atenção nos dados foi uma marcante redução da base da pirâmide social. Entre os pais dos chefes de família de 1973, 65% pertenciam ao estrato baixo inferior (lavradores, pescadores, braçais do meio rural, etc.). Já entre os seus filhos, esse percentual caiu para 32%. No caso de 1996, a queda prosseguiu. Os pais dos chefes de família eram 55% e os filhos, 24%.

Notou-se ainda a ampliação dos estratos médios - fato já observado nos dados de 1973. Para os dados de 1996, entre pais e filhos, o estrato médio-baixo passou de 16% para 27%; e o estrato médio-superior saltou de 3,4% para 7,4%. A única exceção nos dados de 1996 ficou por conta do estrato médio-médio que passou de 18,5% para 13% (trabalhadores não-manuais, profissionais de nível baixo e pequenos proprietários rurais empregadores).

Analisando-se os dados de forma mais agregada, verifica-se que, hoje em dia, o topo da estrutura social brasileira (estratos alto e médio superior) engloba 12,3% dos chefes de família; em 1973, englobava 9,8%. Houve um incremento acentuado desse estrato - cerca de 25%.

Os dados de 1996 revelam sinais de uma estrutura social um pouco mais aberta. Os movimentos de ascensão identificados em 1973 continuaram ocorrendo no passado recente. Repetiu-se, novamente, a mesma trajetória: muitos subiram pouco e poucos subiram muito.

Por outro lado, não há nenhum estrato social que tenha se reproduzido inteiramente. O que mais se aproxima dessa situação é o estrato baixo-inferior: 90% dos trabalhadores rurais são filhos de trabalhadores rurais.

No outro extremo da pirâmide social, o estrato alto, a proporção de auto-reprodução é de apenas 18,4%. Ou seja, menos de 20% dos integrantes da classe alta, são filhos da própria classe alta. Mais de 80% chegaram naquela posição, vindo de estratos mais baixos.

Se, de um lado, essa proporção derruba o mito da auto-reprodução do estrato mais alto no Brasil, de outro, ela indica uma ausência de mudança na sua composição interna. Nos dados de 1973, essa tendência já fora observada. Ou seja, a heterogeneidade dos estratos mais altos vem de longe, e manteve-se estável.

Isso significa que as regras de passagem de um estrato para outro se mantiveram praticamente inalteradas. Ou seja, a mobilidade continuou, mas a facilidade ou dificuldade de se movimentar na estrutura social não se alteraram de modo significativo. A fluidez continua grande nos estratos mais baixos e as chances de mobilidade se mantiveram constantes.

Em suma, a sociedade brasileira prosseguiu no seu dinamismo. As pessoas continuam entrando e saindo em diferentes estratos sociais. Isso sugere que os pobres não permanecem pobres a vida inteira. O volume de entrada e saída de pessoas nos estratos sociais mais baixos é muito grande, e se faz em alta velocidade.

Quais as forças que operaram por trás dessas mudanças no período mais recente?

A mobilidade captada pelos dados de 1996 refere-se aos movimentos realizados pelos indivíduos nas décadas de 60, 70, 80 e parte da de 90.

As décadas de 60 e metade de 70, como vimos, foram marcadas por forte crescimento econômico e geração de empregos. A partir da segunda metade da década de 70, o Brasil passou por uma sucessão de crises, com poucos períodos de exceções.

No início dos anos 80, (1980-83), o Brasil amargou uma das piores recessões da sua história. Seguiu-se um curto período de leve recuperação (1984-85) e um grande "boom" econômico de curtíssima duração - o Plano Cruzado em 1986. Dali em diante, o País entrou novamente em um declínio econômico, que atravessou o resto dos anos 80 e dominou, praticamente, todos os anos 90.

A escassez de recursos externos marcou o agravamento crescente da crise dos anos 80. A estratégia brasileira para enfrentamento desse problema, a partir de 1982, foi a de evitar o crescimento da demanda interna e acelerar a venda de títulos públicos, o que comprometeu a saúde das finanças do governo e a sua capacidade de investir e de gerar empregos.

O mercado de trabalho refletiu a desaceleração econômica. O desemprego subiu. E a informalidade aumentou.

Embora a informalidade não seja sinônimo de pobreza e subemprego, a grande maioria dos que trabalham no setor informal gozam de menos segurança no trabalho e menor renda. Não há dúvida de que os melhores postos de trabalho são criados no setor formal, como ocorreu nas décadas de 60 e 70, quando se observou também a intensificação da mobilidade social ascendente no País.

Mas, assim como o setor informal é heterogêneo, o formal também apresenta uma marcante segmentação interna. Decompondo-se o emprego no setor formal, em dois sub-setores, o privado e o público, este último apresentou forte declínio a partir do início dos anos 90. Os que trabalhavam na administração pública passaram a ser dispensados em grande quantidade, continuando assim até hoje. Para os que ficaram nos seus trabalhos, a redução salarial foi acentuada.

O Brasil entrou na década de 90 marcado por uma sucessão de crises. Os empregos deixaram de crescer em número, embora, uma parte continuou se diversificando, o que garantiu, uma vez mais, mobilidade de curta distância para a maioria, e mobilidade de longa distância para uma pequena minoria - sem contar os que desceram na escala social que, como vimos, aumentaram de 11%, nos dados de 1973, para quase 14%, nos dados de 1996.

A reviravolta no crescimento econômico, o aumento do desemprego e a deterioração do emprego formal tiveram grande responsabilidade no pequeno aumento ocorrido na mobilidade social (5%). Esta só não foi menor devido à compensação trazida pela expansão das oportunidades educacionais. Este foi um fenômeno marcante dos últimos 30 anos. Os avanços foram significativos entre os anos 70 e final dos anos 90, podendo ser assim resumidos:

  1. Embora o analfabetismo continue como um problema sério entre as pessoas de mais idade (ver Tabela 1), o problema se reduziu de forma dramática entre os mais jovens. No grupo de idade compreendida entre 15 e 19 anos, o percentual de analfabetos caiu de 16,5%, em 1980, para 6,0%, em 1996. A queda foi igualmente significativa no grupo de 20 a 24 anos, com uma redução de 15,6% para 7,1% no mesmo período.
  2.  

    Tabela 1

    Taxa de Analfabetismo no Brasil

    (15 anos ou mais por Grupos de Idade)

    (%)

    Taxa de Analfabetismo

    15 anos

    15 a 19

    20 a 24

    25 a 29

    30 a 39

    40 a 49

    50 anos

    ou mais

    anos

    anos

    anos

    anos

    anos

    ou mais

    1970

    33,6

    24,3

    26,5

    29,9

    32,9

    38,5

    1980

    25,4

    16,5

    15,6

    18,0

    24,0

    30,8

    1991

    20,1

    12,1

    12,2

    12,7

    15,3

    23,8

    1995

    15,6

    6,8

    7,5

    9,3

    11,0

    16,7

    1996

    14,7

    6,0

    7,1

    8,1

    10,2

    15,5

    Fonte: IBGE - PNAD 1996. Castro (1998)

    Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá em 1995 e 1996.

  3. As pessoas mais jovens se valeram da educação para ingressar nos postos de trabalho do mercado formal que passaram a exigir maior qualificação nos setores mais modernos da economia o que, por sua vez, estimulou a ascensão social.
  4. Nos últimos 30 anos, registrou-se também um vigoroso crescimento das matrículas em todos os níveis de ensino (ver Tabela 2). O Brasil chegou no ano de 1996, com mais de 46 milhões de estudantes nos três níveis de ensino, transformando a educação em um sistema de massa.

Tabela 2

Evolução da Matrícula por Nível de Ensino

Brasil 1970 - 1998 (em mil)

Ano

Total

Ed. Infantil (1)

Fundamental

Médio

Superior (3)

Ano

1970

17.814

374

15.895

1.119

425

1970

1975

23.124

566

19.549

1.936

1.073

1975

1980

28.130

1.335

22.598

2.819

1.377

1980

1985

31.635

2.482

24.770

3.016

1.368

1985

1991

39.823

5.284

29.204

3.770

2.565

1991

1996

46.453

5.714

33.131

5.739

1.869

1996

1997

48.319

5.719

34.229

6.405

1.965

1997

1998(2)

49.891

4.918

35.488

6.962

2.085

1998(2)

Fonte: MEC/INEP/SEEC. Castro (1998)

Notas: (1) inclui crianças matriculadas na pré-escola e em classe de alfabetização; (2) dados preliminares para educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; (3) dados estimados para 1997-98.

4. Em 1996, as redes de ensino do Brasil foram capazes de atender a todas as crianças de 7 a 14 anos. O maior problema passou a ser o da manutenção dos estudantes na escola e na série adequada para a sua idade. As taxas de abandono continuaram elevadas e os alunos que ficaram na escola levaram, em média, 11 anos para completar as oito séries da escolarização obrigatória.

5. Mas os sinais dos anos mais recentes são de melhora. Em 1994, apenas 55% dos alunos matriculados no ensino fundamental tinham expectativa de concluí-lo. Essa proporção subiu para 65% em 1996. Naquele ano, cerca de 50% dos estudantes do ensino médio eram filhos de pais que não completaram o ensino fundamental; 11% dos pais possuíam o nível médio; e apenas 5% tinham completado o nível superior (Castro, 1998).

6. O principal fenômeno educacional observado, foi a grande expansão do ensino médio, que repetiu, na década de 90, o que ocorreu com o ensino fundamental nas décadas de 70 e 80. No período de 1990-98, a matrícula nas escolas médias praticamente dobrou, saltando de 3,5 milhões de alunos para 6,9 milhões.

7. Neste final do século XX, a revolução tecnológica e as novas formas de produzir e vender tornaram o mercado de trabalho mais seletivo, exigindo a formação de nível médio como escolaridade mínima. Aquilo que o mercado de trabalho piorou para uma grande parcela da população, em termos de quantidade e qualidade de emprego, a educação acabou compensando. Como veremos nos próximos capítulos, para os que fizeram mobilidade ascendente, a educação foi crucial.

8. Os brasileiros começam a trabalhar muito cedo. Entretanto, o trabalho não é obstáculo para uma boa parcela de jovens continuarem seus estudos. Os dados de 1996 mostraram que a maioria dos estudantes do ensino médio conciliou trabalho com estudo durante o curso (60%). No período noturno, essa proporção chegou a 72%.

9. O ensino se expandiu também no mundo das faculdades. Nos anos 70, a expansão da matrícula no ensino superior foi relativamente lenta. Mas entre 1980-93, houve uma rápida aceleração que, aliás, tornou-se meteórica nos anos recentes (ver Tabela 3).

Tabela 3

Evolução da Matrícula no Nível Superior

Brasil 1980 - 1998

Ano

Total

Federal

Estadual

Municipal

Particular

Ano

1980

1.377.286

316.715

109.252

66.265

885.054

1980

1981

1.386.792

313.217

129.659

92.934

850.982

1981

1982

1.407.987

316.940

134.901

96.547

859.599

1982

1983

1.438.992

340.118

147.197

89.374

862.303

1983

1984

1.399.539

326.199

156.013

89.667

827.660

1984

1985

1.367.609

326.522

146.816

83.342

810.929

1985

1986

1.418.196

325.734

153.789

98.109

840.564

1986

1987

1.470.555

329.423

168.039

87.503

885.590

1987

1988

1.503.555

317.831

190.736

76.784

918.204

1988

1989

1.518.904

315.283

193.697

75.434

934.490

1989

1990

1.540.080

308.867

194.417

75.341

961.455

1990

1991

1.565.056

320.135

202.315

83.286

959.320

1991

1992

1.535.788

325.884

210.133

93.645

906.126

1992

1993

1.594.668

344.387

216.535

92.594

941.152

1993

1994

1.661.034

363.543

231.936

94.971

970.584

1994

1995

1.759.703

367.531

239.215

93.794

1.059.163

1995

1996

1.868.529

388.987

243.101

103.339

1.133.102

1996

1997*

1.965.498

406.742

254.924

112.278

1.191.554

1997*

1998*

2.085.120

426.187

268.724

123.695

1.266.514

1998*

89/98(%)

51,4

34,7

145,9

86,6

43,1

89/98(%)

Fonte: Castro (1998).

 

O ensino superior ainda é bastante elitizado. Mais da metade dos graduandos têm origem em famílias cuja renda média é de R$2.400,00 por mês (US$ 2,000.00 a preços de 1997). Mas, boa parte dos estudantes de renda mais baixa está conseguindo entrar e ficar nas faculdades, conciliando o estudo com o trabalho, e matriculando-se em escolas particulares. O setor privado responde por 60% das vagas e o setor público, por 40%.

O avanço da educação está muito aquém do que é exigido pela revolução tecnológica e pela globalização da economia. Mas, o progresso educacional foi expressivo no período de 1970-98, constituindo-se num elemento importante da manutenção e até da pequena elevação da mobilidade social no Brasil. Os dados apresentados nos próximos capítulos indicam ainda uma forte relação entre a melhoria educacional e o aumento da mobilidade circular, que é própria de ambientes mais competitivos.

A intensidade de mobilidade social do Brasil, fenômeno que vem se mantendo desde o início dos anos 60, determina que a grande maioria dos brasileiros está em movimento quase permanente. Uma grande parte das pessoas não chega a permanecer no mesmo status sócio-econômico o tempo suficiente para gerar uma "solidariedade de classe". Mal chegam a um destino, e logo partem para outro.

Mas os movimentos ocorrem dentro das mesmas regras. Na verdade, entre 1973-96, não houve nenhuma alteração significativa dos ritos de passagem. Como no jogo das cadeiras, estas são praticamente as mesmas, embora os ocupantes sejam sempre diferentes, sendo que a entrada e a saída se processam dentro dos mesmos princípios.

Muitos traços de desigualdade se mantiveram quase imutáveis. Um deles diz respeito à entrada no mercado de trabalho. Para a amostra de chefes de família, homens, de 20 a 64 anos, 72% começaram a trabalhar com 14 anos ou menos. A idade típica foi de 12,5 anos.

É verdade que ao se examinar os grupos de mais de 60 anos de idade, a entrada no mercado de trabalho se deu há quase 50 anos atrás. Portanto, para os dados de 1996, estamos falando de entrada precoce ocorrida no final da década de 40.

Para as pessoas de menos idade, a entrada no mercado de trabalho é mais tardia. Para os que nasceram em 1976, a maioria começou a trabalhar com 13,6 anos.

É inegável, porém, que o Brasil continua apresentando um grande contingente de pessoas que começam a trabalhar antes dos 14 anos. Esse fenômeno predomina no meio rural entre os que trabalham para ajudar os pais.

Os capítulos que seguem mostrarão, para os dados de 1996 o que já havia sido registrado para os dados de 1973: a educação e o status ocupacional do pai continuam como fatores importantes na determinação do status ocupacional do filho.

Nos dados de 1996, porém, a educação do próprio filho transformou-se, para uma grande parcela da população, no capital mais fundamental para a realização de ascensão social.

Mobilidade Intergeracional: 1996

Esta seção apresenta a análise da mobilidade intergeracional total para os dados de 1996, ou seja, a transição realizada pelos filhos, em relação aos seus pais.

A Tabela 4 se refere à distribuição do status ocupacional dos indivíduos em 1996 e do status ocupacional de seus respectivos pais. A amostra é composta de 42.137 chefes de família, homens, com idade entre 20 e 64 anos e está padronizada para um total de 100, para facilitar a leitura dos dados. Para detalhes ver o apêndice metodológico no final deste ensaio.

Tabela 4

Mobilidade Total 1996

(%)

Status do Indivíduo em 1996

 

1

2

3

4

5

6

 

Status do Pai

Baixo

Baixo

Médio

Médio

Médio

Alto

Total

 

Inferior

Superior

Inferior

Médio

Superior

   

1-Baixo Inferior

21,7

12,8

13.2

4,6

2,1

1,0

55,4

2-Baixo Superior

0,7

4,2

3,6

2,5

1,3

0,8

13,1

3-Médio Inferior

0,6

3,7

7,1

2,7

1,5

0,8

16,4

4-Médio Médio

0,6

1,9

2,0

2,2

1,2

0,9

8,8

5-Médio Superior

0,3

0,6

0,6

0,7

0,7

0,5

3,4

6-Alto

0,1

0,3

0,3

0,6

0,6

0,9

2,8

Total

24,0

23,5

26,8

13,3

7,4

4,9

100,0

Fonte: PNAD 1996

A marginal inferior da Tabela 4 (linha do total) representa a distribuição dos indivíduos em 1996 em termos do estrato social a que pertencem. A marginal direita (coluna do total) Essa representa a distribuição dos pais dos indivíduos em termos do estrato social a que pertenceram.

A marginal inferior indica que 24% dos brasileiros permaneceram no estrato baixo-inferior, ou seja, ficaram imóveis em relação aos seus pais. São filhos de pais que trabalhavam em atividades rurais e que continuaram exercendo as ocupações paternas.

Os estratos baixo-superior (23,5%) e médio-inferior (26,8%), compostos por trabalhadores manuais urbanos, são quantitativamente os mais importantes. Eles englobam 50,3% dos indivíduos entrevistados.

Portanto, mais da metade dos brasileiros ainda trabalha em ocupações manuais (qualificadas ou não). Os estratos médio-médio, médio-superior e alto são compostos de grupos de ocupações não-manuais e representam 25,7% dos indivíduos.

 

Essa distribuição mostra que a estrutura social brasileira possui aproximadamente um quarto dos indivíduos no estrato mais baixo, que congrega as ocupações manuais rurais; 50% nos estratos manuais urbanos; e 25% nos estratos não-manuais.

As distribuições marginais das tabelas de mobilidade intergeracionais representam, com certa aproximação, a estrutura social em duas gerações: a geração dos filhos (marginal inferior) e a geração dos pais (marginal direita). As diferenças entre as duas distribuições marginais refletem as mudanças estruturais ocorridas no intervalo entre essas duas gerações.

Duncan (1968), entretanto, recomenda cautela nessa comparação. Devido ao diferencial de fecundidade dois vários estratos sociais e da não-simultaneidade temporal da data de referência entre informantes diferentes, a marginal direita não corresponde exatamente ao perfil ocupacional da geração de pais. Na verdade, para nenhuma geração do passado aquela distribuição foi, de fato, observada. Trata-se de uma distribuição hipotética que, na verdade, se refere à distribuição dos "status atribuídos", nos quais tem um forte efeito a herança paterna. Na marginal inferior está a distribuição dos "status adquiridos", nos quais tem um grande papel a educação.

Em outras palavras, a Tabela 4 revela as transições dos status atribuídos para os adquiridos, e a comparação das duas distribuições marginais (mobilidade estrutural) indica a direção geral das transições.

Esses dados indicam que a distribuição dos status atribuído é mais concentrada no estrato baixo-inferior (trabalhadores rurais). Para esses grupos, o peso da herança é mais forte. Os atuais trabalhadores rurais, estão nessa posição, como uma decorrência do fato de seus pais terem sido trabalhadores manuais.

A implicação desse fato para a mobilidade estrutural é óbvia: o esvaziamento relativo do grupo de trabalhadores rurais, via migração rural-urbana, provocou muita mobilidade social ascendente. Os indivíduos oriundos desse estrato (baixo-inferior), e que chegaram aos estratos mais altos, além de experimentar ascensão social na suas próprias carreiras, acabaram instigando novos deslocamentos ascendentes que foram se refletir, mais tarde, nos seus próprios filhos.

A diagonal da Tabela 4 indica a imobilidade. Ela mostra o peso da herança social na sociedade brasileira: 36,8% dos indivíduos estão na mesma posição ocupacional que seus pais. O seu complemento, 63,2% é a proporção de indivíduos móveis.

Portanto, os dados revelam uma ampla predominância da mobilidade social na sociedade brasileira (para cima e para baixo). Os filhos, em relação aos seus pais se movimentam muito. Poucos são os que permanecem na posição paterna.

A mobilidade social pode ser ascendente ou descendente. No triângulo superior direito da matriz apresentada na Tabela 4 (acima da diagonal), estão os indivíduos que fizeram mobilidade ascendente. No triângulo inferior esquerdo, estão os que foram atingidos por mobilidade descendente.

 

Em resumo, a proporção de indivíduos nestes dois casos pode ser expressa da seguinte maneira:

Imobilidade =

Mobilidade Total =

Mobilidade Ascendente: 49,6%

Mobilidade Descendente: 13,6%

Segundo esses dados, 86,4% dos brasileiros estão em posição social igual ou melhor da de seus pais. A incidência da mobilidade descendente é relativamente modesta (13,6%).

Comparações Internacionais

Um volume de mobilidade social da ordem de 63,2% é muito ou pouco em termos internacionais?

Comparações entre países só podem ser feitas com muito cuidado. Nem sempre os estratos são construídos da mesma maneira pelos pesquisadores. A própria métrica para cálculo do status sócioeconômico tende a variar. As amostras muitas vezes são parciais em alguns países e nacionais em outros.

Por essa razão, as comparações procuram se concentrar nos agregados mais homogêneos. Assim, em lugar de se comparar status com status, comparam-se os grandes grupos de ocupações manuais e não-manuais, as de origem urbana com as de origem rural e assim por diante.

Tomados esses cuidados e relativizando a precisão das comparações, Heath (1981) realizou uma comparação entre 19 países, à qual acrescentamos o Brasil. Os dados estão na Tabela 5. Todos se referem à mobilidade intergeracional.

Tabela 5

Mobilidade Social em Países Selecionados

(%)

 

Países/Ano

 

 

 

1

 

 

Mobilidade

Social

(Total)

 

2

 

Tamanho

dos estratos

Manuais

 

3

 

Tamanho

dos estratos

não manuais

 

4

Não

Manuais

Recrutados

Nos estratos

Inferiores

5

 

Aumento

dos estratos

não manuais

 

6

Austrália (1965)

41,4

59,5

40,5

55,4

34,6

Bélgica (1968)

37,0

41,4

58,6

44,7

47,6

Bulgária (1967)

51,2

77,0

23,0

77,7

144,3

Canadá (1974)

50,1

46,1

53,9

56,3

70,5

Dinamarca (1972)

37,9

55,8

44,2

50,3

38,3

Inglaterra e Gales(1972)

37,6

56,4

43,6

53,4

40,4

Finlândia (1972)

42,3

67,1

32,9

62,1

47,1

França (1970)

43,7

51,5

48,5

44,4

19,9

Hungria (1973)

50,0

71,4

28,6

77,8

220,7

Itália (1963)

37,0

58,6

41,4

42,9

28,3

Japão (1965)

46,4

43,0

57,0

48,8

49,5

Noruega (1972)

47,6

44,8

55,2

55,7

63,7

Polônia (1972)

40,7

64,9

35,1

72,5

153,3

Espanha (1974)

40,3

47,8

52,2

52,8

63,9

Suécia (1974)

51,5

56,6

43,4

60,4

58,5

EUA (1973)

48,2

55,2

44,8

58,2

59,8

Ex-URSS (1967-8)

-

66,0

34,0

56,4

47,6

Ex-Alem.Ocid.(1969)

41,7

42,0

58,0

36,5

20,4

Ex-Iugoslávia (1960)

37,0

62,7

37,3

70,0

123,9

BRASIL (1996)

63,2

74,4

25,6

67,6

70,7

Fonte: (Heath, 1981); PNAD (1996).

Como se observa, os países podem ser divididos em três grupos. No primeiro estão os que têm mobilidade social (total) muito baixa, inferior a 40%. Esse é o caso da Bélgica, Itália, e ex-Iugoslávia (37,0%), Inglaterra e País de Gales (37,6%) e Dinamarca (37,9%). A mobilidade média para esse grupo é de 37,3%, havendo, portanto, 62,7% de imobilidade.

No segundo grupo estão os países de mobilidade média e que se localiza entre 41% e 50%, havendo, assim, entre 50% e 59% de imobilidade. Estão nesse caso a Espanha (40,3%), Polônia (40,7%), Austrália (41,4%), a ex-Alemanha Ocidental (41,7%), Finlândia (42,3%), França (43,7%), Japão (46,4%) e Noruega (47,6%) e Estados Unidos (48,2%). A mobilidade média para esse grupo é de 43,5%, havendo, portanto, 56,5% de imobilidade.

No terceiro grupo estão os países que têm mobilidade alta, 50% e mais. Estão nesse caso o Canadá e Hungria (50,0%), Suécia (51,5%) e Bulgária (51,7%). A mobilidade média para esse grupo é de 50,8%, havendo, portanto, 49,2% de imobilidade.

O Brasil, com 63,2% de mobilidade se coloca bem acima de todos os demais países estudados por Heath e apresentados na Tabela 5. Essa situação é o inverso do que ocorre com os países do primeiro grupo. Neles, a mobilidade social média é de 37,3% e a imobilidade 62,7%.

A imobilidade social, entre nós, está abaixo de 40% e, portanto, bem aquém do terceiro grupo que possui a menor imobilidade dentre os países comparados, com uma média de 49,2%.

Portanto, o Brasil é um país que apresenta um grande volume de mobilidade social, destacando-se bastante no cenário internacional. As razões desse destaque já foram exploradas na seção 1. Convém ressaltar, porém, que, ao longo do século XX, o Brasil passou por enormes mudanças, tendo saído de uma sociedade rural para uma sociedade urbana na qual se expandiram as oportunidades de trabalho em setores relativamente novos para o País, como é o caso da indústria, comércio e serviços. Tais transformações "forçaram" um determinado tipo de mobilidade social - a mobilidade estrutural.

Uma outra maneira de entender a intensa mobilidade social do Brasil é examinando-se a própria composição de ocupações na estrutura social. A terceira coluna da Tabela 5 oferece resultados interessantes. Conforme se observa, o Brasil possui ainda uma parcela muito pequena das pessoas exercendo ocupações não-manuais (25,6%) e uma grande quantidade exercendo ocupações manuais (74,4%), enquanto a maioria dos países estudados tem uma situação inversa.

Os casos que se aproximam do Brasil são poucos. Na Bulgária, por exemplo, a parcela da população que trabalha em ocupações não-manuais é menor que a do Brasil (23,0%) e a que trabalha em ocupações manuais é maior (77,0%). A Hungria está um pouco acima do Brasil no que tange às ocupações não manuais (28,6%), mas ainda retém uma grande parcela da população em ocupações manuais (71,4%). A Finlândia (32,9%), a ex-União Soviética (34,0%), a Polônia (35,1%) e a ex-Iugoslávia (37,3%) aproximam-se do Brasil

Tirando esses casos, todos os demais países possuem parcelas expressivas da força de trabalho em ocupações não-manuais. Isso significa que a passagem das ocupações manuais para as não-manuais ocorreu em um passado mais remoto. O Brasil é um caso de desenvolvimento tardio. A grande mobilidade registrada entre os que passaram do estrato baixo-inferior (trabalhadores manuais rurais) para o estrato baixo-superior (trabalhadores manuais urbanos não qualificados) ocorreu entre os anos 50 e 70 que, até hoje constitui o maior peso na mobilidade total) e, ainda, assim, as pessoas continuaram e continuam dentro de estratos de ocupações manuais.

Nas sociedades mais avançadas, isso ocorreu antes da II Guerra Mundial. Nos tempos mais recentes, a maioria da população acabou se localizando nos estratos das ocupações não-manuais - o que ainda está para ser completado no Brasil.

A simples persistência de um grande parcela da população nos estratos de ocupações manuais dá ao Brasil um potencial de mobilidade social muito maior do que o dos países que já passaram por esse processo e, hoje em dia, estão com a maior parte da sua população nos estratos mais altos da estrutura social, e também mais herméticos.

A quarta coluna da Tabela 5 confirma essa diferença. Em 1996, no Brasil, 67,6% dos estratos compostos de ocupações não-manuais foram recrutados nos estratos inferiores (ocupações manuais). Poucos países detém essa situação, mesmo assim, isso ocorreu há vários anos atrás como é o caso da Bulgária que recrutava, em 1967, 77,7% dos não-manuais entre os estratos mais baixos. Ou da Hungria, que apresentou a taxa de 77,8% em 1973. E da Polônia que apresentou uma proporção de 72,5% em 1972 e a ex-Iugoslávia, com 70,0% em 1960. São países que apresentaram um forte e rápido aumento dos estratos não-manuais em decorrência desse tipo de mobilidade (ver coluna 5 da Tabela 5).

Nos demais países, essa tendência já era bem menor há muito tempo atrás. Nesses países havia muita mobilidade social dentro dos estratos não-manuais. O aumento da mobilidade decorrente da passagem de pessoas dos estratos manuais para não-manuais foi relativamente pequeno - e mais lento - conforme mostram os dados da coluna 5 da Tabela 5. Na França, por exemplo, o incremento foi de apenas 19,9%; na ex-Alemanha Ocidental, foi de 20,4%. Em contraste, no Brasil, foi de 70,7%, o que sugere, dentro dos estratos das ocupações manuais, uma mobilidade intergeracional com a rapidez dos países do primeiro grupo.

Essas comparações resumem muita mobilidade de curta distância no Brasil e, em grande parte, decorrente de movimentos intra-estratos manuais. A extensão e a velocidade da expansão dos estratos não-manuais, no entanto, implicou em um extenso recrutamento nos estratos manuais. Eles indicam ainda a persistência de um grande potencial de mobilidade futura na medida em que os estratos manuais se mantém muito grandes para qualquer padrão internacional. O grosso da mobilidade, portanto, continuará sendo entre os estratos mais baixos da estrutura social (ocupações manuais), como indicaram os dados de 1996.

De fato, dos 49,6% dos casos de mobilidade ascendente, 67,9% (ou seja, 33,7% do total de indivíduos) são filhos de trabalhadores rurais que se deslocaram para outros estratos. Isso mostra a persistência da importância da migração rural/urbana na determinação de mobilidade social de curta distância na sociedade brasileira. Repete-se, assim, o que já havia sido detectado na mobilidade social do passado, ou seja, muitos sobem poucos, e poucos sobem muito na estrutura social.

O Destino Social das Pessoas

Uma outra forma de examinar uma matriz de mobilidade é analisando-se os fluxos entre grupos ocupacionais. Nessa linha de investigação, as primeiras perguntas a responder são:

1. Como se distribuem em termos de mobilidade social, os indivíduos provenientes de um cada estrato social?

2. Qual é a distância do caminho percorrido?

Para responder a essas indagações é preciso manipular a matriz de mobilidade intergeracional de modo a obter fluxos de saída de estratos ocupacionais comparáveis. Fixando-se o total de cada linha com os totais de referência, obtém-se os fluxos de saída de idênticos tamanhos, como os apresentados na Tabela 6.

 

Tabela 6

Fluxos de Saída dos Estratos Ocupacionais na Mobilidade Total

(%)

Status do Indivíduo em 1996

 

1

2

3

4

5

6

 

Status do Pai

Baixo

Baixo

Médio

Médio

Médio

Alto

Total

 

Inferior

Superior

Inferior

Médio

Superior

   

1-Baixo Inferior

39,2

23,1

23,8

8,3

3,8

1,8

100,0

2-Baixo Superior

5,3

32,1

27,5

19,1

9,9

6,1

100,0

3-Médio Inferior

3,7

22,6

43,3

16,5

9,1

4,9

100,0

4-Médio Médio

6,8

21,6

22,7

25,0

13,6

10,2

100,0

5-Médio Superior

8,8

17,6

17,6

20,6

20,6

14,7

100,0

6-Alto

3,6

10,7

10,7

21,4

21,4

32,1

100,0

Fonte: Tabela 4

A extensão da mobilidade social brasileira é evidente a partir dos dados de 1996. Cerca de 61% dos filhos de trabalhadores rurais encontravam-se em situação superior a de seus pais. Dentre eles, quase 40% haviam chegado a estratos sociais bem mais elevados do que seus pais, atingindo, muitos deles, os grupos dos trabalhadores qualificados e semi-qualificados, o que significa um substancial progresso em relação à sua origem social. É importante notar que cerca de 14% dos indivíduos com esta origem atingiram os estratos sociais da ocupações não-manuais.

Mas a mobilidade ascendente não se restringe aos filhos dos trabalhadores rurais. Os dados de 1996 indicaram que dois terços dos filhos dos trabalhadores urbanos não-qualificados (estrato baixo-superior) atingiram posições hierarquicamente superiores a dos seus pais. Uma boa proporção (aproximadamente 35%) já estava entrincheirada nos estratos das ocupações não-manuais.

O que acontece com os filhos dos pais que estavam no topo da pirâmide social? Nesse caso, cerca de um terço dos filhos dos profissionais de nível superior e de grandes empresários (estrato alto) conseguiram manter uma posição social equivalente à de seus pais. É verdade que muitos deles eram ainda jovens em 1996, não tendo tido tempo para avançar o suficiente nas suas carreiras para, com isso, galgar posições mais altas.

De um modo geral, a mobilidade social no Brasil continua bastante grande. Embora ainda predominem os fluxos de curta distância, não há como desconsiderar os movimentos mais longos, como os exemplificados acima. Nesse ponto, os comentários de Pastore sobre os dados de 1973 ainda mostram atualidade:

 

"Fica clara a existência de uma extensa movimentação na base da pirâmide social brasileira que, por sua vez, vem associada às transformações ocorridas no mercado de trabalho agrícola e aos intensos fluxos migratórios nos últimos 50 anos... Os movimentos de ascensão social dos estratos que compõem a ‘classe média’ assumiram proporções menores, porém, não desprezíveis. Quando se considera que para os filhos da ‘classe média’ havia bem menos espaço social para percorrer, a mobilidade verificada é bastante significativa para os três estratos médios" (Pastore, 1979).

A Origem Social das Pessoas

Até aqui analisou-se o destino das pessoas tomando-se a posição de seus pais como ponto de partida. É interessante, porém, inverter a análise para examinar, para cada estrato social, a sua origem e trajetória de mobilidade. Em outras palavras,

1. Qual é a origem dos indivíduos de uma dada posição na estrutura social?

2. O recrutamento para essas posições é extenso ou restrito?

A Tabela 7 permite responder a essas questões.

Tabela 7

Fluxos de Entrada dos Estratos Ocupacionais

na Mobilidade Total

(%)

Status do Indivíduo em 1996

 

1

2

3

4

5

6

 

Status do Pai

Baixo

Baixo

Médio

Médio

Médio

Alto

Total

 

Inferior

Superior

Inferior

Médio

Superior

   

1-Baixo Inferior

90,4

54,5

49,3

34,6

28,4

20,4

55,4

2-Baixo Superior

2,9

17,9

13,4

18,8

17,6

16,3

13,1

3-Médio Inferior

2,5

15,7

26,5

20,3

20,3

16,3

16,4

4-Médio Médio

2,5

8,1

7,5

16,5

16,2

18,4

8,8

5-Médio Superior

1,3

2,6

2,2

5,3

9,5

10,2

3,4

6-Alto

0,4

1,3

1,1

4,5

8,1

18,4

2,0

Total

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Fonte: Tabela 4

Quando se analisam os indivíduos que estão no estrato baixo-inferior (trabalhadores rurais) verifica-se que mais de 90% têm origem no mesmo estrato. Entre eles, a imobilidade é grande. Quem está nesse estrato, seus pais também estiveram nele. Em outras palavras, para quem está nessa situação, o peso da herança social foi de grande importância.

Essa constatação não deve nos levar ao determinismo de uma imobilidade completa para quem nasce nesse estrato. Quando se examina a origem dos indivíduos que estão nos estratos mais altos, verifica-se que a participação dos filhos de trabalhadores rurais (estrato baixo-inferior) é muito significativa. Por exemplo, 28,4% dos atuais profissionais que compõem o estrato médio-superior (também chamada de classe média alta) são de origem rural. A escalada foi mais longe: 20,4% dos que formam o estrato alto - a elite brasileira - são filhos de trabalhadores rurais!

Isso significa que a composição dos estratos mais altos é bastante heterogênea. De fato, apenas 9,5% e 18,4% dos estratos médio-superior e alto, respectivamente, são recrutados dentro desses estratos. A idéia de que a "elite" brasileira é produto da sua auto-reprodução é um mito. Os estratos mais privilegiados no Brasil são recrutados em largas proporções ao longo de toda hierarquia social.

É verdade que parte desse fenômeno está intimamente ligado ao tamanho relativo dos grupos de origem e de destino. Quando o grupo de origem é numericamente grande e o estrato de destino relativamente pequeno, a participação do estrato de origem na composição do estrato de destino é substancial, mesmo quando as probabilidades destas transições são pequenas.

A título de exemplo, observa-se que apenas 1,8% dos filhos de trabalhadores rurais tem acesso ao estrato mais elevado da hierarquia ocupacional (ver Tabela 7). No entanto, essa proporção diminuta de filhos de trabalhadores rurais, representa 20,4% dos atuais membros do estrato alto que é composto por profissionais de nível superior e grandes proprietários.

 

Como o Brasil se compara com outros países nesse aspecto?

A Tabela 8 apresenta dados coletados por Heath (1981) para 11 países, aos quais acrescentamos o Brasil. Qual é o montante de auto-reprodução da elite nos vários países?

Tabela 8

A Reprodução das Elites

(%)

Países

Elite recrutada na própria Elite

Elite recrutada fora da Elite

Austrália (1965)

24,6

75,4

Inglaterra e Gales (1972)

30,8

69,2

França (1970)

29,0

71,0

Hungria (1973)

16,8

83,2

Itália (1963)

43,3

56,7

Japão (1965)

31,1

68,7

Espanha (1974)

46,6

53,4

Suécia (1974)

23,6

76,4

EUA (1973)

29,3

70,7

Ex-Alemanha Ocid. (1969)

38,7

61,3

Ex-Iugoslávia (1960)

19,6

80,4

BRASIL (1996)

18,4

81,6

Fonte: Heath (1981); PNAD (1996).

Nesta comparação, há contrastes interessantes. O Brasil, juntamente com a Hungria, apresenta um forte recrutamento da elite nos estratos mais baixos. Neles a reprodução da elite é muito pequena (18,4% e 16,8%, respectivamente). A ex-Iugoslávia, em 1960, se aproximava desse padrão com apenas 19,6% de reprodução da elite.

Num outro extremo, estão a Espanha ( 46,6%) e a Itália (43,3%) onde uma grande parte da elite vem da própria elite.

Intermediariamente, estão os demais países. Nos Estados Unidos, no passado mais remoto, por exemplo, grande parte da elite foi recrutada nos estratos mais baixos (70,7%). O mesmo ocorreu na Suécia (76,4%), França (71,0%). Mas, o Brasil, em um período muito recente (1996), estava recrutando quase 82% da elite em estratos mais baixos.

 

O estudo do recrutamento da elite em estratos mais baixos, porém, exige cuidado. Na passagem de estratos mais baixos para o extremo mais alto da estrutura social, tem importância o desequilíbrio entre a grandeza numérica da origem, a categoria trabalhadores rurais (responsável por 55,4% dos filhos amostrados em 1996), e o substancial aumento relativo do estrato alto, que cresce da proporção de 2,8% na origem para 4,9% no destino - um incremento de 75%. Como apenas 39% dos filhos de trabalhadores rurais (estrato baixo-inferior) permaneceram no mesmo estrato, os restantes 61% deslocaram-se para estratos mais altos, sendo natural que o espaço aberto no topo da hierarquia seja ocupado, pelo menos em parte, por trabalhadores daquela origem.

Estas observações põem em relevo a importância de se considerar na análise da mobilidade social, o tamanho relativo dos grupos de origem e destino, uma vez que esses tamanhos afetam os padrões de mobilidade.

O Peso da Herança Social

A influência da origem social dos indivíduos sobre suas realizações ocupacionais pode ser apreciada através da proporção relativa de pessoas de mesma origem que alcançaram um certo estrato ocupacional de destino. Para tanto, toma-se como base a proporção total de casos num dado destino para avaliar a importância da origem no atingimento daquele destino.

Nos dados de 1996, em várias inatâncias, dá-se a permanência dos filhos na mesma posição dos pais (imobilidade). Isso ocorre com mais frequência nos estratos mais baixos (Tabelas 7 e 8).

Como vimos, o peso da herança social se faz sentir de forma bem acentuada no caso dos filhos de pais do estrato baixo-inferior (trabalhadores rurais). Os trabalhadores rurais são praticamente filhos de trabalhadores rurais.

Daí para frente, o peso da herança vai diminuindo. Mas, ainda assim, as chances de um filho de trabalhador rural alcançar estratos superiores são limitadas. Os outros estratos demonstram chances maiores. Mesmo o estrato baixo-superior (trabalhadores urbanos não-qualificados) tem um melhor acesso aos níveis superiores (Tabelas 6 e 8).

Entretanto, as zonas urbanas contrastam nitidamente com as rurais. No mundo urbano, a mobilidade social é muito mais intensa do que no rural. As boas chances de mobilidade social no Brasil continuam localizadas nas cidades - não necessariamente nas metrópoles. Nelas predominam a mobilidade ascendente, sendo que a descendente é sempre de pequena magnitude.

Mas, existem alguns fluxos descendentes de maior intensidade. Há um piso forte entre os indivíduos de origem não-manual. Todos os fluxos com origem nos estratos médio-médio até o estrato alto, e destino baixo-inferior até o médio-inferior, estão abaixo do esperado.

É importante notar que a mobilidade descendente dentro dos estratos não-manuais é expressiva. Isso significa que os obstáculos em direção aos estratos manuais são dificilmente rompidos. Este fato parece configurar claramente uma barreira de classe.

 

Mobilidade Estrutural e Circular

Como foi indicado, a diferença entre as distribuições marginais resulta de uma série de fatores econômicos, educacionais e demográficos, e não apenas do reflexo de mudanças na distribuição ocupacional da sociedade. Por extensão, pode-se dizer o mesmo do nível geral de mobilidade social.

Kahl (1957) identifica quatro fatores de mobilidade social: (1) fecundidade e mortalidade diferencial; (2) mudanças na distribuição ocupacional; (3) imigração externa; e (4) mobilidade de circulação. Esta última representa a associação entre origem e destinos ocupacionais independentemente dos efeitos dos demais fatores.

Como é impossível separar completamente a influência dos três primeiros fatores, como por exemplo, os efeitos da fecundidade diferencial do efeito das mudanças na distribuição ocupacional, costuma-se agrupá-los sob o título de mobilidade estrutural, diferenciando-a da mobilidade circular (ou de circulação).

A abertura de uma estrutura social está ligada ao nível de associação entre origem e destino ocupacional, uma vez eliminados os efeitos das mudanças estruturais externas na mobilidade social. Uma sociedade em que prevalecem os fatores estruturais e que tem mobilidade circular restrita é bastante distinta, em termos de abertura, de outra, que apresenta pouco efeito estrutural e grande mobilidade circular.

Para um dado indivíduo é impossível dizer se a sua mobilidade (ou imobilidade) foi motivada por fatores estruturais ou de circulação. Mas, para a sociedade como um todo, é importante identificar o peso relativo desses fatores na geração das oportunidades de mobilidade. É isso que permite avaliar o nível de abertura da estrutura social.

Na seção anterior, a mobilidade estrutural foi calculada com base nas diferenças entre as marginais da tabela. Para os dados de 1996, obteve-se a seguinte composição:

Mobilidade Geral = 63,2%

Mobilidade Estrutural = 31,4%

Mobilidade Circular = 31,8%

Observa-se, portanto, que as mobilidades estrutural e circular têm magnitude praticamente idêntica no Brasil atual, com ligeira predominância da mobilidade circular. Convém, entretanto, eliminar da tabela os efeitos estruturais para se examinar de forma detalhada quem é atingido pela mobilidade circular.

Para a realização desse exercício, Pullum (1975), usando os métodos de Deming e Stephan (1943), propôs a utilização de uma técnica de ajustamento tabular para a estimação da mobilidade circular.

Ajustando-se os dados da Tabela 4 de modo a tornar a distribuição marginal inferior (destino) idêntica à distribuição marginal à direita (origem), obtém-se uma matriz que revela os padrões de mobilidade circular. Essa matriz é apresentada na Tabela 9.

Tabela 9

Mobilidade Circular Total *

(%)

Status do Indivíduo em 1996

 

1

2

3

4

5

6

 

Status do Pai

Baixo

Baixo

Médio

Médio

Médio

Alto

Total

 

Inferior

Superior

Inferior

Médio

Superior

   

1-Baixo Inferior

43,9

4,4

4,8

1,6

0,5

0,3

55,4

2-Baixo Superior

3,6

3,2

3,0

2,1

0,7

0,5

13,1

3-Médio Inferior

3,2

3,3

6,2

2,3

0,8

0,6

16,4

4-Médio Médio

2,7

1,5

1,7

1,8

0,6

0,5

8,8

5-Médio Superior

1,5

0,4

0,4

0,5

0,3

0,3

3,4

6-Alto

0,4

0,3

0,3

0,6

0,5

0,7

2,8

Total

55,4

13,1

16,4

8,8

3,4

2,8

100,0

*Estimada pelo método de Deming-Stephan

 

A característica mais marcante dessa tabela é o extraordinário nível de imobilidade do estrato 1 (trabalhadores rurais). Cerca de 44% dos casos se referem a filhos de trabalhadores rurais que permaneceram no mesmo estrato de seus pais o que, em termos relativos ao total de filhos de trabalhadores rurais, representa quase 80% destes.

No campo da mobilidade circular, o Brasil apresenta um nítido isolamento do grupo de trabalhadores rurais em relação ao resto da hierarquia ocupacional, sendo que as mudanças nos outros fluxos, são de pequena monta.

Há também a formação de um segmento urbano bastante diferenciado do grupo de trabalhadores rurais. A mobilidade dentro desse segmento é muito mais intensa do que a mobilidade de e para o grupo de trabalhadores rurais. A dimensão rural-urbana continua representando uma nítida fratura na estrutura ocupacional brasileira, e o isolamento dos dois setores constitui uma poderosa barreira à mobilidade individual.

 

O Peso das Ocupações Manuais

O exame da associação entre origem e destino ocupacional no setor urbano mostra claramente a existência de uma outra fratura na estrutura ocupacional brasileira. Utilizando-se uma abordagem idêntica à anterior, torna-se nítida a aglutinação dos estratos ocupacionais em duas classes distintas, separadas pela linha manual/não-manual.

Os fluxos entre os estratos baixo-superior e médio-inferior são caracterizados por valores acima (na diagonal) ou próximos do esperado no caso de mobilidade perfeita, o mesmo acontecendo (ainda mais claramente) com os três estratos mais altos da estrutura social que incluem as ocupações não-manuais.

Simultaneamente, os fluxos entre estas duas grandes classes encontram-se abaixo do esperado, caracterizando a formação de duas classes com significativa impermeabilidade. As chances de mobilidade dentro de cada classe são substancialmente maiores do que as chances de mobilidade entre as classes.

Dessa forma, evidencia-se que a mobilidade circular, que constitui a expressão mais genuína da mobilidade da sociedade brasileira, mostra uma nítida estruturação em classes, fracionada pelas sucessivas barreiras impostas pelas dimensões rural/urbano e manual/não-manual. Ou seja, subir na escala social, por força da competição no mercado de trabalho, depende fundamentalmente de sair do meio rural e dos nichos das ocupações manuais.

Apêndice Metodológico

Na sociologia, o estudo da mobilidade depende muito dos avanços de natureza metodológica. O desenvolvimento recente de modelos adequados para o tratamento de informações qualitativas, em particular, à análise de tabelas de mobilidade ocupacional, trouxe um impulso renovado ao estudo da estratificação social.

Após um período relativamente longo em que os chamados "modelos de realização sócio-econômica" predominaram na literatura, na esteira do importante trabalho de Blau e Duncan (1967), verifica-se, atualmente, uma mudança na abordagem da mobilidade social. Essa mudança, além do seu caráter metodológico, e que envolve uma tecnologia nova de análise de dados, representa também uma importante reorientação no nível substantivo.

Os "modelos de realização sócio-econômica" partiram de uma perspectiva individualista-voluntarista, e se preocuparam em responder, basicamente, à seguinte questão: Que fatores, na história do indivíduo, explicam seu nível de realização sócio-econômica atual (isto é, seu nível educacional, ocupacional ou econômico)? Tais modelos visavam, portanto, descrever as carreiras das pessoas.

A introdução dos modelos para análise de dados qualitativos, por sua vez, permitiu um retorno às preocupações que marcaram os primeiros estudos de mobilidade ocupacional. Elas buscam determinar o nível de fluidez ou rigidez do sistema social.

Trata-se, portanto, de uma perspectiva estrutural, e os modelos propostos por diversos autores, entre os quais Goodman (1979), Hauser (1980), Goldthorpe (1981) e Erikson e Goldthorpe (1994), se baseiam na quantificação das barreiras à mobilidade ocupacional, identificando as fronteiras de "classe" . O foco do estudo não é a trajetória social dos indivíduos, mas a relação entre os diversos estratos sociais. Para um melhor entendimento dessa metodologia, os parágrafos que seguem expõem os seus principais conceitos e procedimentos técnicos.

Tabelas de Mobilidade Social

Uma tabela de mobilidade social é uma classificação cruzada, também chamada de tabela de contingência. Nela os indivíduos são classificados de acordo com sua ocupação em dois momentos do tempo. Num continuum de tempo, o ponto no passado é dominado origem ocupacional e o ponto mais recente destino ocupacional.

A variável mais freqüentemente usada para representar a origem ocupacional nos estudos de mobilidade, é a ocupação paterna. Ela é considerada num determinado ponto da juventude do indivíduo, em alguns casos quando este tinha 15 ou 16 anos, em outros, quando obteve seu primeiro emprego remunerado.

Quando se analisa a situação do indivíduo em relação à de seu pai, a tabela de mobilidade representa convencionalmente, a "mobilidade intergeracional". Quando se analisa a situação do indivíduo em relação à sua primeira ocupação, a tabela de mobilidade representa a "mobilidade intrageracional" ou "mobilidade de carreira".

Classificação das Ocupações

Fica claro, portanto, que a análise das tabelas de mobilidade depende muito da classificação ocupacional adotada. O que implica em supor que a informação sobre as características ocupacionais dos indivíduos, e de seus pais, disponível na fonte de dados que se vai utilizar - normalmente uma pesquisa do tipo survey - deve ser submetida a um processo de codificação adequado.

A informação ocupacional da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), realizada pela Fundação IBGE em 1996 e utilizada como fonte de dados neste trabalho, se baseia numa classificação que contém cerca de 390 títulos ocupacionais diferentes.

Se utilizarmos essa classificação para mensurar tanto a variável de origem como a de destino - um procedimento usual que torna a tabela quadrada, isto é, com um número igual de linhas e colunas - teríamos que analisar uma tabela de 390 x 390 = 152.100 células, ultrapassando em muito o número de observações obtidas. Assim, o procedimento usual é reduzir a classificação ocupacional a um número adequado de categorias, raramente maior que 20.

Não existe uma única classificação ocupacional que possa ser apontada como inerentemente superior às outras. A escolha da classificação depende estritamente dos objetivos específicos da análise proposta, sendo um procedimento não só prático mas, sobretudo, vinculado a considerações teóricas. Em geral, ela expressa uma teoria, muitas vezes implícita, sobre a estratificação da sociedade que está sendo estudada.

Como já foi indicado, um dos objetivos deste estudo foi o de replicar a análise sobre a mobilidade social no Brasil realizada por Pastore (1979), referente ao ano de 1973, com os novos dados da PNAD de 1996. Impôs-se, desta forma, seguir os mesmos procedimentos adotados por este autor, inclusive no que diz respeito à classificação ocupacional usada.

Para tal efeito, dois problemas metodológicos tiveram que ser enfrentados: em primeiro lugar, foi necessário compatibilizar as classificações ocupacionais nas duas pesquisas. A PNAD de 1996 emprega uma classificação ocupacional bem mais detalhada do que a anterior. Por isso, a escala socioeconômica de ocupações utilizada para 1973 teve de ser atualizada, para incorporar novos títulos ocupacionais que surgiram na PNAD de 1996.

Em segundo lugar, os "grupos ocupacionais", que são agregações de títulos ocupacionais baseadas em escores socioeconômicos, tiveram de ser, também, compatibilizados. A exemplo do que foi feito em 1973, este estudo manteve a agregação dos diferentes status socioeconômicos em seis estratos, a saber, baixo-inferior, baixo-superior, médio-inferior, médio-médio, médio superior, e alto. Dentro de cada um deles, entretanto, houve algumas inclusões de títulos ocupacionais, de forma a acomodar o maior detalhamento da classificação de 1996.

A Escala de Status Socioeconômico

A pesquisa de 1973 utilizou a escala proposta por Silva (1973), que procura caracterizar a situação socioeconômica dos indivíduos que ocupam cada uma das diferentes posições na divisão técnica do trabalho. Isso permitiu medir a posição social real dos indivíduos no mercado de trabalho, indicada pelos recursos que os indivíduos comandam nas suas respectivas posições.

A escala de Silva não é uma escala de "prestígio ocupacional", e sim, uma escala de status socioeconômico. As escalas desse tipo, a exemplo das que foram construídas para estudar mobilidade e estratificação social no Canadá (Blishen, 1958), Estados Unidos (Duncan, 1961; Bogue, 1963; Nam e Powers, 1968), Grã-Bretanha (Goldthorpe e Hope, 1974) e Austrália (Broom et al, 1967), usam como referentes empíricos (1) o nível educacional e (2) o nível de rendimentos dos indivíduos - dentro de cada título ocupacional.

A escala de Silva utilizou os mesmos referenciais, e seguiu a metodologia proposta por Bogue (1963). Essa metodologia permite a mensuração ao nível de uma "escala de razão", o que possibilita a sua aplicação a qualquer nível de agregação das ocupações.

A construção da escala em tela seguiu três passos sequenciados. Em primeiro lugar, foram elaboradas as escalas para medir as posições educacionais e econômicas de cada indivíduo. Em segundo lugar, essas posições foram combinadas para cada indivíduo, gerando-se o "status individual". Em terceiro lugar, esses status individuais foram combinados dentro de cada ocupação para se obter o "status ocupacional" pretendido.

Do ponto de vista operacional, portanto, o primeiro passo foi o de medir o "status educacional" dos indivíduos - dado pelo valor de mercado de seu nível educacional. Ou seja, a escala de status educacional foi definida como uma função escolaridade-rendimentos, a qual fornece o rendimento socialmente esperado para cada nível educacional. Esse é o valor que a sociedade dá e paga a um indivíduo com um dado nível educacional, em média.

No caso da escala de 1973, foram utilizados 18 níveis de escolaridade. No caso da PNAD de 1996, foram usados 16 níveis. Nos dois casos, os extremos foram "sem escolaridade formal" e "nível superior completo".

Quando se busca medir o valor real de uma posição no mercado de trabalho ocupada por um indivíduo, além da educação expressa em anos de escolaridade, conta muito a sua experiência anterior, indicativa dos aspectos não- formais da sua educação. Na determinação dos rendimentos, a experiência tem um efeito direto e independente. Além disso, ela tem um efeito indireto que se materializa através da sua interação com a educação formal.

Para guardar comparabilidade com o estudo de 1973, utilizou-se uma sub-amostra da PNAD de 1996 incluindo 42.137 chefes de família, homens, e de idade variando entre 20 e 64 anos. Essa sub-amostra foi estratificada em coortes de 5 anos. Para cada coorte, foi calculado o status educacional, conforme definido acima. Os resultados dessa operação estão apresentados na Tabela 10.

Tabela 10

Rendimento Médio Mensal da Ocupação Principal por

Grupos de Idade e Anos de Estudo - 1996

 

Anos de Escola

Idade

-1

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

Total

15-19

37

36

36

45

49

57

54

52

61

62

83

136

150

125

274

 

59

20-24

70

92

89

99

115

137

152

157

195

172

183

262

260

314

296

513

175

25-29

96

119

118

151

146

189

196

224

262

308

289

409

509

543

643

904

278

30-34

102

157

144

163

184

217

259

285

325

338

396

504

671

821

930

1329

370

35-39

115

163

168

199

234

240

278

322

377

412

519

582

716

974

978

1541

416

40-44

123

169

183

200

306

292

307

426

464

465

605

673

863

1164

1134

1837

477

45-49

112

183

158

196

320

294

344

399

432

503

709

684

704

1026

1043

1851

433

50-54

107

143

170

188

261

295

325

280

428

406

524

605

685

881

774

1748

346

55-59

83

119

139

162

237

211

229

256

332

315

295

521

502

658

333

1367

244

60-64

62

82

125

164

182

143

343

198

203

42

339

356

171

940

323

1154

170

Total

72

75

84

101

161

137

127

157

260

182

259

448

481

658

755

1424

230

A idade foi usada como um indicador da experiência individual. Os dados revelam uma variação sistemática entre coortes no nível e inclinação de cada curva (na relação educação vs. rendimentos), ambas tendendo a subir conforme cresce a idade ("experiência") dos indivíduos, atingindo um máximo de rentabilidade na coorte com 45 a 49 anos e tendendo a declinar daí em diante. Portanto, é clara a associação entre os aspectos formais e informais da educação dos indivíduos e a sua posição no mercado de trabalho.

Em síntese, para determinar o status educacional dos indivíduos, lançou-se mão de uma tabela bidimensional em que as colunas representam os níveis de educação formal (escolaridade), e as linhas, as diversas coortes de idade. O conteúdo das células é a renda esperada (média) para os indivíduos que caem em cada uma delas. Este é o seu "status educacional".

Por outro lado, o componente econômico da posição de mercado dos indivíduos foi operacionalmente definido como o total de seus rendimentos pessoais. A média aritmética dos componentes educacional e econômico representa o "status socioeconômico" do indivíduo, ou seja, a sua posição geral no mercado de trabalho.

Portanto, não se trata de uma escala de rendimentos simplesmente e sim de posição socioeconômica. Esta se baseia na educação e na renda de cada indivíduo dentro de cada ocupação e, por isso, vai além do posicionamento dado pelos rendimentos.

A obtenção de uma escala ocupacional pelo método de Bogue envolve o cálculo, para cada título ocupacional, do escore médio dos status dos indivíduos que desempenham aquela ocupação. Para se chegar a ela, calculou-se o escore médio dos status individuais dentro de cada título ocupacional da PNAD de 1996, e referente à ocupação principal desempenhada pelos indivíduos no período de referência. Os resultados foram ajustados para variarem entre zero e cem. O zero se refere às ocupações de posição socioeconômica mais baixa ("apanhadores, quebradores e descascadores de produtos vegetais") e o valor cem corresponde à ocupação de posição socioeconômica mais alta ("magistrados").

A escala métrica assim descrita foi aplicada a três variáveis constantes do suplemento de mobilidade na PNAD de 1996: (1) a ocupação atual do entrevistado; (2) a sua primeira ocupação; e (3) a ocupação que seu pai desempenhava quando o entrevistado tinha 15 anos de idade.

Isso permitiu a geração das três posições sociais essenciais para o estudo da mobilidade intra e inter-geracional, a saber, (1) o status socioeconômico atual do informante; (2) o status socioeconômico inicial de sua carreira; e (3) o status socioeconômico de seu pai.

 

As estatísticas descritivas referentes a estas variáveis são as seguintes:

Tabela 11

Estatísticas Descritivas

Primeira Ocupação

7,64

9,00

96.438

Ocupação do Pai

8,05

8,79

82.641

Ocupação Atual

11,05

10,84

93.882

Correlações

     

Primeira Ocupação

1,000

   

Ocupação do Pai

0,377

1,000

 

Ocupação Atual

0,635

0,399

 
 

Primeira Ocupação

Ocupação do Pai

 

Dois fatos são notáveis a respeito das variáveis obtidas. Em primeiro lugar, a grande variabilidade no status socioeconômico. O desvio-padrão, de valor elevado, chega a ser maior que a média tanto no status do pai quanto no status da primeira ocupação do informante. No caso do status atual, o desvio-padrão e a média têm valores muito próximos. Isso é consistente com os conhecidos e elevados níveis de desigualdade da sociedade brasileira.

Em segundo lugar, ressalta a correlação elevada entre o status atual e o status da primeira ocupação do entrevistado, indicando um poder explicativo que chega a atingir 40% da variação entre elas. Isto contrasta com a relação relativamente modesta com o status ocupacional do pai, cujo poder explicativo oscila entre 14% e 16% da variação das duas outras variáveis.

A maior correlação entre os status da primeira ocupação e da ocupação atual, pelo menos em parte, é devida ao fato das duas variáveis se referirem a uma mesma ocupação. Isto é particularmente verdade para os jovens, em início de carreira, que ainda não passaram por uma experiência de mobilidade.

Os Estratos Sociais

Como já indicamos, para se fazer uma análise comparativa da mobilidade entre 1973 e 1996 foi necessário também proceder a um ajuste nas definições dos estratos ocupacionais utilizados na construção das matrizes de fluxos de mobilidade (cuja metodologia de análise é descrita mais adiante).

O trabalho original de Pastore (1979) utilizou um agrupamento em seis estratos obtidos a partir da escala socioeconômica de Silva (1973), conforme descrita anteriormente. Os dados da PNAD de 1996 foram também agrupados nestes seis estratos. Mas, como eles se baseavam em uma classificação de ocupações mais ampla e ligeiramente diferente daquela, fez-se necessária uma compatibilização entre os dois agrupamentos. Novas ocupações, que apareceram nos dados de 1996 e não existiam nos de 1973, foram alocadas na classificação original segundo regras abaixo descritas.

As regras de compatibilização seguiram dois critérios. No caso de título ocupacional idêntico entre as duas classificações, respeitou-se a alocação aos grupos definidos no trabalho original. No caso de título ocupacional novo ou discrepante, buscou-se sua alocação mais adequada em termos tanto da descrição substantiva do grupo como do escore socioeconômico da ocupação que caracterizava o grupo.

Na Tabela 12 abaixo tem-se uma descrição sumária dos seis estratos ocupacionais, bem como o valor médio do índice de status socioeconômico (ISS) para 1996, assim como as médias de renda e escolaridade dos indivíduos.

O agrupamento ocupacional adotado segue critérios de distância social (medida pelo índice de status socioeconômico). Em princípio, os estratos medem estritamente diferenças de posição socioeconômica. No entanto, a classificação obtida carrega consigo outros critérios, particularmente, os referentes à distinção entre ocupações manuais/não-manuais assim como a dicotomia entre rural/urbano.

É claro que o modo de classificar não é neutro em termos dos resultados obtidos. Por exemplo, os estratos 1 (baixo-inferior) e 2 (baixo-superior), que têm índices de status socioeconômico (ISS) bastante próximos e com considerável superposição, se distinguem essencialmente pela dimensão rural/urbano (Tabela 12). Isso faz com que, pela construção da escala, a migração do campo para as cidades represente sempre uma mobilidade ascendente. A urbanização recente da sociedade brasileira estaria, dessa forma, associada a uma melhoria de status dentro da estrutura social do País.

Convém ressaltar também que as distâncias sociais inter-estratos sociais aumentam na medida em que se sobe na estrutura social, o que é uma característica bastante realista em vista das elevadas desigualdades da sociedade brasileira. O índice médio de status socioeconômico (ISS) do estrato mais elevado é mais de 15 vezes superior ao de status mais baixo.

 

Tabela 12

Estratos Ocupacionais, Valores Médios e Ocupações Representativas.

Estrato

Ocupações Representativas

ISS

Rendimento

Escolaridade

1 Baixo Inferior: trabalhadores rurais não qualificados

Produtores agropecuários autônomos; outros trabalhadores na agropecuária; Pescadores

2,90

222,16

(319,50)*

2,19

(2,55)

2 Baixo Superior: trabalhadores urbanos não qualificados

Comerciantes por conta própria; Vigias; serventes; trabalhadores braçais sem especificação; vendedores ambulantes; empregadas domésticas.

6,49

440,35

(527,16)

4,94

(3,64)

3 Médio Inferior: trabalhadores qualificados e semi-qualificados.

Motoristas; pedreiros; mecânicos de veículos; marceneiros; carpinteiros; pintores e caiadores; soldadores; eletricistas de instalações.

8,68

538,08

(503,31)

5,19

(3,24)

4 Médio Médio: trabalhadores não manuais, profissionais de nível baixo e pequenos proprietários

Pequenos proprietários na agricultura; administradores e gerentes na agropecuária; auxiliares administrativos e de escritório; reparadores de equipamentos; pracistas e viajantes comerciais; Praças das Forças Armadas.

17,01

995,46

(1426,07)

8,71

(4,00)

5 Médio Superior: profissionais de nível médio e Médios Proprietários

Criadores de gado bovino; diretores, assessores e chefes no serviço público; administradores e gerentes na indústria e no comércio; chefes e encarregados de seção; representantes comerciais.

27,19

1498,97

(1793,74)

10,05

(4,21)

6 Alto: profissionais de nível superior e Grandes proprietários.

Empresários na Indústria; administradores e gerentes de empresas financeiras, imobiliárias e securitárias; engenheiros; médicos; contadores; professores de ensino superior; advogados; oficiais das Forças Armadas.

44,06

2.344,20

(1933,17)

12,79

(3,53)

* Entre parêntesis estão os desvios-padrões.

 

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