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Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/10/00

O Banco Mundial e a pobreza

José Pastore

O relatório do Banco Mundial sobre a pobreza apresenta dados chocantes. Dos 6 bilhões de habitantes do nosso planeta, cerca de 2,8 bilhões vivem com menos de US$ 2 por dia e 1,2 milhão com menos de US$ 1. Dois terços da população mundial estão na pobreza (World Bank, Attacking Poverty, Washington, 2000). No Brasil, cerca de 30 milhões vivem com menos de US$ 2 por dia.

É animador ver o banco tratando do tema e propondo soluções. Nesse campo, o Banco Mundial sugere a ampliação de oportunidades (pela via do crescimento econômico e redução das desigualdades sociais); a redução de riscos críticos (através de mecanismos de prevenção e intervenção no caso de desastres naturais e calamidades sociais); e o aumento da participação dos pobres na remoção de barreiras econômicas e sociais.

Entretanto, o estudo deixou de formular e responder algumas questões importantes, tais como: Os pobres, nascem e morrem pobres? Ou há quem escape da pobreza? Qual é essa proporção? O que determina a sua trajetória de saída?

O entendimento dessas questões permite "turbinar" o escape da pobreza e a literatura está repleta de estudos comparativos que contrastam a situação dos indivíduos ao longo de sua vida (mobilidade intrageracional) e ao longo das gerações (mobilidade intergeracional).

Para o Brasil, tais estudos indicam haver um frenético movimento de entra e sai em todos os estratos sociais, inclusive nos da pobreza. Há pessoas que permanecem na situação em que nascem ou no ponto em que iniciam sua vida de trabalho, e outras que sobem na escala social, passando para situações melhores.

No caso da pobreza rural (lavradores, pescadores, catadores e outros trabalhadores de baixa ou nenhuma qualificação e reduzida renda), 59% dos chefes de família do Brasil, nasceram e ficaram nessa situação e 41% saíram dela ao longo da vida, - uma proporção nada desprezível (José Pastore e Nelson do Valle e Silva, Mobilidade Social no Brasil, Makron Books, São Paulo, 2000).

No caso da pobreza urbana (trabalhadores braçais, vigias, serventes, etc., com pouca educação e ínfima renda), as proporções são, respectivamente, 53% e 42%, pois 5% desceram para a pobreza rural.

O que dizer da movimentação que ocorre ao longo de uma ou duas gerações?

No Brasil, os que nascem e ficam na pobreza rural são apenas 39%. Para esse estrato social, 61% dos estão em condições melhores do que a de seus pais. No que tange à pobreza urbana, as proporções são, respectivamente, 32% e 63% pois, 5% desceram para a pobreza rural.

Se a mobilidade social é intensa, por que há tantos pobres e tanta desigualdade no Brasil? Isso é devido, em grande parte, à combinação de dois fatores. De um lado, a fertilidade das famílias pobres mantém-se elevada, enquanto que a mortalidade decresce a cada dia. Nessas famílias, nasce muita gente pobre, o que mantém grande o número de pobres.

De outro, a grande maioria das pessoas de baixa qualificação e educação precária começa sua trajetória de trabalho pelas ocupações mais simples, e que integram a base da pirâmide social por longos períodos da vida.

Por isso, para cada fotografia que se tira, encontra-se uma grande base na pirâmide social, onde estão os pobres - alguns saindo e muitos entrando.

A desigualdade, por sua vez, decorre do fato de que a grande maioria dos brasileiros que sobe na escala social percorre pequenas distâncias e a minoria percorre grandes distâncias. Isso provoca um estiramento da pirâmide social, do que resulta a desigualdade.

Se há pessoas que saíram da pobreza, o que as fez sair? No passado, muitos brasileiros ascenderam socialmente, com pouca educação. Eles preencheram as oportunidades de trabalho de qualidade superior às que havia no ambiente social de origem. Foram as vagas abertas pela industrialização (décadas de 50 e 60) e a expansão do setor público, comércio, empresas estatais e atividades financeiras (décadas de 60 e 70). Naquele tempo, para uma pessoa subir na pirâmide social não precisava ninguém descer. Era a mobilidade estrutural.

Nas décadas mais recentes, porém, está crescendo a mobilidade circular na qual, dado um determinado número de vagas, para uns subirem, outros precisam descer, se aposentar ou morrer. Essa deverá ser a mobilidade do futuro. A competição tenderá a aumentar, tornando a boa educação uma ferramenta essencial para competir e ter êxito num mercado mais exigente.

Por isso, além das políticas compensatórias e da atenuação dos grandes riscos - que ajudam no curto prazo - a redução da pobreza vai depender de investimentos bem feitos nas crianças de hoje e da qualidade dos postos de trabalho de amanhã. É isso que permitirá aos jovens escalarem a estrutura social.