Publicado no Jornal da Tarde, 18/10/00
O Nobel e a desigualdade
Não o conheço pessoalmente. Mas li algumas de suas pesquisas. Ainda recentemente acompanhei um debate sobre desigualdade. De um lado, Richard B. Freeman, intelectual de alta reputação, da Universidade de Harvard. De outro, ele mesmo, o novo Prêmio Nobel de economia, James J. Heckman, da Universidade de Chicago.
Freeman escreveu um artigo insistindo na urgência para se atenuar a desigualdade que impera nos Estados Unidos. Para ele, pouco interessam as suas causas – o importante é tornar o País mais igual (Richard B. Freeman, "Solving the new inequality", in Boston Review, Janeiro de 1997).
Heckeman, preferiu examinar a natureza do problema, começando por discordar de Freeman para dizer que a desigualdade no passado foi muito mais grave do que no presente (em especial nos anos da Grande Depressão). Para ele, o problema central é a incapacidade dos trabalhadores de baixa qualificação ganharem salários decentes ("Old problem, new dispair", in Boston Review, Janeiro de 1997).
Heckman parte para a solução, incorporando uma sugestão de Freeman e adicionando outra sua. De Freeman, ele usa a idéia de se direcionar os esforços da sociedade para reforçar os ativos dos jovens, em lugar de investir nos mais velhos. E da sua elaboração, propõe que os mais velhos sejam incorporados em programas de empregos subsidiados – uma idéia arrojada para quem é de Chicago.
O entendimento dessas propostas tem muitas implicações para o Brasil. Heckman salienta que a sociedade do conhecimento reduziu severamente a demanda por baixa qualificação, e passou a premiar as pessoas mais talentosas. Isso impôs perdas severas aos menos educados. O grande problema, portanto, é o de elevar os padrões de vida dos que estão na base da pirâmide social, apesar da fraca demanda pelo seu trabalho. Como fazer isso?
Utilizando de estudos de outros autores e de suas próprias pesquisas, Heckeman recomenda acudir as pessoas enquanto são jovens. Quanto mais jovens melhor pois, entre elas, conhecimento puxa conhecimento.
Com pessoas mais velhas a situação é muito mais complicada. Ele reconhece que os programas de reciclagem ajudam, mas os resultados são tão precários que convém pensar em outra estratégia. Para esses grupos, recomenda políticas de subsídios ao emprego.
Esses subsídios podem assumir as mais variadas formas, desde os créditos fiscais até as medidas compensatórias. Ou seja, "indenizar" os empregadores pela baixa produtividade dos menos qualificados dá mais resultado do que investir na sua reeducação.
Como se vê, é uma proposta explosiva, especialmente em um País como o nosso, onde a má educação domina a maior parte da força de trabalho e os salários mal dão para os menos qualificados sobreviver.
Nossa primeira reação a esse tipo de proposta é de rejeição. Um dos líderes sindicais entrevistados pela imprensa no Rio de Janeiro, logo após o anúncio do prêmio a James J. Heckman, que estava no Brasil, considerou sua teoria simplesmente "brutal".
Mas, convém meditar à respeito do consenso que se formou entre dos pensadores tão antagônicos - Freeman e Heckman: "No campo da educação o mais urgente é investir cedo, e com boa pontaria". O melhor alvo são as crianças e os adolescentes. Perdida essa oportunidade, tudo fica mais difícil e oneroso.
Ainda que discordemos dessas sugestões, convém avaliar com rigor os programas em andamento no Brasil que, com a melhor das boas intenções, se dirigem ao retreinamento e reciclagem de adultos. Só depois disso poderemos ter alguma base para contrariar o novo Prêmio Nobel. Eu desconfio que a referida avaliação vai dar razão a ele...
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