Publicado no Jornal da Tarde, 05/09/2001
A Conferência contra o racismo
Está em andamento em Durban, África do Sul, a Conferência Mundial contra o Racismo, promovida pela ONU e conta com mais de 7 mil participantes de todo o mundo, inclusive uma delegação de 50 pessoas do Brasil.
Ao se analisar os documentos preparatórios, elaborados em várias regiões do mundo, nota-se que a ONU pretende reforçar os compromissos que os Países Membros assumiram em convenções internacionais anteriores, da OIT, UNESCO e da própria ONU, de "tudo fazer para evitar a discriminação de qualquer tipo de minoria".
A proposta de documento final que está sendo discutida em Durban pede urgência aos Estados Membros na "elaboração de políticas e ação para combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância". A ONU solicita que "sejam tomadas medidas legislativas e administrativas para minorar a marginalização de grupos minoritários de várias naturezas" e um compromisso dos signatários de aprovar leis específicas para garantir o acesso desses grupos à escola, serviços de saúde, trabalho, justiça e vida política em geral (United Nations, "Conference Themes - Draft Program of Action", 22/08/2001).
No campo do emprego, os signatários do documento final terão de "garantir pleno acesso aos grupos minoritários às oportunidades de trabalho e ao crédito que é usado para criar empresas e gerar empregos" (idem, p. 30). Além disso, "os empregadores públicos e privados terão de demonstrar um genuíno esforço de recrutar, reter e promover as mulheres e ensinar a elas as profissões que garantam o seu progresso no mercado de trabalho".
A intenção da ONU é chegar a uma Carta de Intenções com princípios fortes e claros no campo do combate a todo tipo de discriminação, o que é louvável e necessário. Mas, a delegação do Brasil, pretendendo se antecipar aos fatos, promete apresentar uma proposta de estabelecimento de: (1) "cotas de vagas para estudantes negros nas universidades brasileiras"; (2) "ações conjuntas entre governo e empresas para garantir um maior acesso de representantes das minorias raciais às vagas do mercado de trabalho"; (3) "privilégios nos processos de licitação pública a empresas que contam com negros, homossexuais e mulheres em seus quadros funcionais"; (4) "participação de atores negros na publicidade oficial"; e (5) "criminalização de qualquer atitude baseada em orientação sexual".
O Brasil pretende ser mais realista do que o rei. Enquanto a ONU procura estabelecer princípios básicos, o Brasil parte para medidas polêmicas e sem prévia discussão com a sociedade.
O sistema de cotas tem graves limitações. Em primeiro lugar, cria uma "discriminação invertida", ao conceder privilégios ao trabalhador negro ou à mulher ou ao homossexual, quando a Constituição Federal visa promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação (art. 3º, Inciso IV).
Em segundo lugar, o sistema de cotas, como amplamente demonstrado pelos países que o adotaram, tende a instigar um clima conflitivo entre grupos sociais. Na maioria das análises feitas, ficou claro que tal providência, sozinha, não resolve os problemas da exclusão e do preconceito - que no Brasil são graves.
Temas delicados como esse merecem um pouco mais de atenção das autoridades do governo. Compete a elas organizar um bom ambiente para exame da matéria à luz de dados e pesquisas, e, sobretudo, auscultar o sentimento da sociedade nesse campo.
Nada disso foi feito, o que me leva a concluir que a proposta em tela, se vier a ser apresentada e aprovada é, no mínimo, prematura.
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