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Publicado na Gazeta Mercantil, 20/01/00

A gangorra social brasileira

Quando nos concentramos nos problemas do dia-a-dia do desemprego, da doença, do crime e da violência, temos a impressão que o Brasil anda para trás. É comum dizer-se que a sociedade brasileira empobrece cada vez mais e que a classe média está acabando.

O exame dos dados em uma perspectiva histórica, porém, oferece um outro quadro. Com a colaboração de Nelson do Valle Silva, e prefácio de Fernando Henrique Cardoso, acabo de publicar um livro sobre Mobilidade Social no Brasil (Makron Books, 2000) que examina o que aconteceu com as classes sociais ao longo de todo o século XX.

A mobilidade social no Brasil é intensa. No Brasil do passado (1900-70), a mobilidade social girou em torno de 58%. Nos tempos mais recentes (1970-2000), aumentou para 63%.

Trata-se de um volume de mobilidade bastante expressivo e superior ao de vários países desenvolvidos como é o caso da Inglaterra onde a mobilidade é de 59%, da Suíça (55%), Áustria (52%), Alemanha e Itália (53%) e vários outros. A mobilidade social só é maior do que a do Brasil na Austrália (69%) e Estados Unidos (67%).

A mobilidade social pode ser para cima ou para baixo. Algumas pessoas sobem em relação aos seus pais; outras descem. No Brasil, cerca de 79% dos chefes de família estão em posição superior a de seus pais.

Junto com o grande volume de mobilidade social, porém, verifica-se que a estrutura social brasileira permanece desigual. Por exemplo, a classe alta que, no passado, era formada de 3,5% dos brasileiros, hoje, chega a quase 5%. Trata-se de um aumento substancial, sem dúvida. Mas esse estrato continua pequeno e de difícil acesso. A classe média alta, igualmente, engloba apenas 7,5% das famílias. Por outro lado, cerca de 48% dos brasileiros pertencem às classes baixas (inferior e superior).

Como interpretar essa conjugação de mobilidade com desigualdade? A pesquisa realizada com base em uma amostra dos chefes de família de todo o Brasil ao longo de várias décadas mostrou que a maioria dos brasileiros sobe pouco na escala social, e a minoria sobe muito. Isso torna a estrutura social bastante dinâmica e, ao mesmo tempo, espichada. Daí a coexistência de mobilidade e desigualdade.

A pesquisa revelou mudanças no tipo de mobilidade social. No passado, a maioria da mobilidade era do tipo estrutural – ou seja, as pessoas subiam na estrutura social porque se abriam novos postos de trabalho com melhores oportunidades para as pessoas que os preenchiam – estivessem elas preparadas ou não para as funções. Hoje, já desponta a mobilidade circular – aquela em que, para uma pessoa ocupar uma posição mais alta, outra tem de desocupá-la (por troca, aposentadoria ou morte). Em outras palavras, a mobilidade social começa a ser determinada por elementos de competição no mercado de trabalho, o que é comum nos países mais avançadas, onde é grande o papel da educação.

Está mudando também a geografia da mobilidade. No passado, em especial nos anos 60 e 70, o grosso da ascensão social ocorreu nas grandes metrópoles, em especial, nas zonas industriais, consideradas como o paraíso dos empregos. Hoje, a mobilidade se desloca para as cidades do interior, acompanhando a diversificação das atividades da agricultura, agrobusiness, comércio, serviços e industrias que se mudaram para regiões mais favoráveis.

Para o futuro, espera-se a manutenção das altas taxas de mobilidade social e uma acentuação da mobilidade circular no interior do País o que exigirá muita capacidade para concorrer e vencer em mercados mais competitivos.

Por isso, você que é jovem, considere seriamente o Brasil do interior e estude o que mais que você puder. Para subir socialmente deverá decrescer o papel da "herança social", do "pistolão" e do apadrinhamento, e crescer a importância da educação e da competência profissional.