Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/01/2000
A dinâmica da pobreza
No final de 1999, proliferaram as publicações de estudos que apontavam o agravamento da pobreza no mundo e no Brasil. O Banco Mundial anunciou um aumento de 10% de pobres do planeta ao longo da década de 90. A UNICEF registrou a existência de 21 milhões de crianças ligadas à pobreza no Brasil.
Esses dados são inquestionáveis. Mas eles não respondem a perguntas que são tão fundamentais quanto a constatação da pobreza: (1) Os filhos de pobres continuaram pobres a vida inteira? (2) Quem são os pobres de hoje? (3) Qual é a sua origem? (4) Qual será o seu destino?
Para responder a essas questões é preciso observar mais a dinâmica do que a estática da sociedade. Isso requer dados que rastreiam a vida dos pais e dos seus filhos ao longo do tempo, ou seja, dados sobre mobilidade social.
No caso do Brasil, os dados mostram que a mobilidade social é intensa e continua aumentando. Entre 1990-70, a mobilidade da estrutura social (ascendente e descendente) atingiu 58% das famílias brasileiras. Entre 1970-96, subiu para 63%. Trata-se de um dos países mais móveis do mundo.
O mais interessante é que, nos dados mais recentes, entre as pessoas móveis, cerca de 80% subiram na escala social e 20% desceram.
O Brasil, portanto, é uma sociedade de muita mobilidade e muita ascensão social. É verdade que a maioria vive em posições sociais tão baixas que uma simples mudança do campo para a cidade impulsiona as pessoas para cima na pirâmide social.
Mas não se deve exagerar. O dinamismo atinge todas as classes sociais, inclusive as dos mais pobres. Por exemplo, em cada 100 pessoas que nascem na classe baixa inferior (lavradores e outras pessoas sem profissão qualificada da zona rural), cerca de 39 permanecem na mesma situação de seus pais.
Mas a maioria sobe na estrutura social. Sessenta e um vão para cima, percorrendo os seguintes trajetos: 23 sobem para a classe baixa-superior (ocupações manuais sem qualificação da zona urbana); 24 entram na classe média-inferior (pedreiros, eletricistas, etc.); 8 chegam à classe média-média (pracistas, viajantes, etc.); 4 atingem a classe média-superior (assessores, gerentes, etc.); e 2 penetram na classe alta (magistrados, grandes proprietários, etc.).
Os que são filhos da classe baixa-inferior (da zona urbana) têm uma trajetória ascendente ainda mais acentuada. Para cada 100 filhos dessa classe, 32 ficam na mesma situação de seus pais e 5 descem para a classe baixa-inferior (rural).
Mas, 63 sobem para as classes mais altas, a saber: 28 entram na classe média-inferior; 19, na média-média; 10, na média-superior; e 6 na classe alta.
Esses dados mostram que a maioria dos filhos das classes mais baixas da pirâmide social brasileira, nasce na pobreza e sai fora dela ao longo de suas vidas. Trata-se de uma situação bastante dinâmica. A pobreza está longe de se reproduzir inteiramente.
Como explicar, então, a persistência do enorme agregado das duas classes baixas (inferior e superior) que engloba quase 48% das famílias brasileiras e sem mantém assim há décadas?
Se a maioria dos pobres faz ascensão social e os estratos da pobreza continuam inchados, é claro que os que sobem são substituídos por outros que entram naqueles estratos. E, como são poucos os que descem na escala social, é razoável concluir que as classes sociais da pobreza continuam recebendo novos ingressantes.
Ou seja, assim como existem os novos ricos, há também os novos pobres, estes decorrentes de altas taxas de fecundidade que ainda ocorrem entre as mulheres mais pobres.
É claro que todos sonham com um País em que as classes baixas encolhem e as médias aumentem. De qualquer maneira, parece importante esclarecer que, no Brasil, os pobres de hoje não são os mesmos de ontem e nem serão os mesmos de amanhã.
O processo de entra e sai nas classes sociais brasileiras é intenso, inclusive nas classes baixas. Estas só se mantém grandes porque dentro delas nasce uma grande quantidade de crianças. A maior parte delas, porém, ao atingirem o meio de suas carreiras de trabalho, estarão em posição superior a dos seus pais.
Por isso, além de saber que a pobreza continua grande é importante registrar que o Brasil está conseguindo fazer com que boa parte dos pobres saiam da situação de pobreza ao longo das suas vidas.
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