Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/09/1999
Mobilidade social e representação de classe
Em entrevista concedida ao jornal O GLOBO de 16/08/99, o Presidente Fernando Henrique referiu-se ao fato do Brasil possuir classes sociais muito mutáveis, o que estaria conspirando contra a formação de grupos fortes no campo da representação sindical e partidária.
O que dizem os dados? As pesquisas mostram que, de fato, a mobilidade social no Brasil continua intensa. Os dados mais recentes, revelam que 63% dos chefes de família (homens) mudaram de status social, quando comparados aos seus pais, e apenas 37% permaneceram na situação dos seus pais.
Mais importante do que isso, é verificar que, dentre as pessoas móveis, cerca de 80% subiram na escala social e 20% desceram. Ou seja, a grande maioria das famílias brasileiras está em melhores condições quando comparadas à respectiva geração anterior.
O mais interessante é que o mesmo quadro fora encontrado no início da década de 70, quando se realizou a primeira pesquisa sobre o assunto. Portanto, sociedade brasileira era e continua móvel - sempre comparando-se as gerações atuais com as anteriores.
Paradoxalmente, a sociedade brasileira dos dias atuais é tão desigual quanto no passado. A pirâmide social continua com uma extensa base e um reduzido pico (tabela).
Estrutura Social do Brasil
Estratos Sociais |
Início dos Anos 70 |
Fim dos anos 90 |
Alto |
3,5 |
5,0 |
Médio |
48,0 |
47,5 |
Médio Superior |
6,0 |
7,5 |
Médio médio |
18,0 |
13,0 |
Médio Inferior |
24,0 |
27,0 |
Baixo |
48,0 |
47,5 |
Baixo superior |
16,0 |
23,0 |
Baixo inferior |
32,0 |
24,0 |
Fontes: José Pastore, Desigualdade e Mobilidade Social no Brasil, São Paulo, 1979, Editora T.A. Quei-roz; José Pastore e Nelson do Valle Silva, Mobilidade Social no Brasil (1973-96), São Paulo, 1999 (no prelo).
É preciso ter cautela na interpretação dessa desigualdade porque as mudanças internas foram expressivas. Proporcionalmente, o maior aumento ocorreu nos estratos alto (grandes proprietários, banqueiros, magistrados, etc.) e no baixo superior (braçais, serventes, vigias, etc.).
Dentro da classe média, houve um significativo aumento dos estratos médio superior (assessores, diretores, gerentes de alto nível)e médio inferior (pedreiro, ele-tricista, marceneiro, etc.) e um encolhimento do estrato médio médio (pracistas, viajan-tes, chefes de baixo nível, etc.)
Portanto, a movimentação continuou intensa dentro da estrutura social. O fato do estrato baixo ter ficado praticamente do mesmo tamanho, por exemplo, não significa que ele foi composto o tempo todo das mesmas famílias. Muitas famílias foram saindo para os estratos superiores na medida em que outras foram ocupando o seu lugar nos estratos mais baixos.
Para os movimentos sindical ou político que depende, em grande parte, da permanência das pessoas nas mesmas condições, e que se sintam frustradas por não saírem do lugar em que estão, a mobilidade existente no Brasil é bastante perversa. Quando o sindicato ou o partido consegue focalizar a sua ação num determinado tipo de agrupa-mento social, as pessoas que o compõe, já mudaram de lugar.
A tendência das pessoas que sobem na escala social é de admirar os valores dos estratos mais altos - onde, um dia, pretendem chegar, sendo que, muitas delas chegam lá. Os dados são impressionantes. Mais de 80% dos atuais ocupantes da classe alta vieram de famílias de classes mais baixas. Só 20% vieram da mesma classe.
A ascensão social é um dos propulsores da desigualdade, pois a maioria percorre pequenas distâncias - sobe pouco - e a minoria sobe muito o que provoca um estiramento da estrutura social e, portanto, desigualdade.
Nessas condições, as pessoas se apegam pouco tempo aos valores da classe onde estão. Bem diferente era a situação do proletariado urbano do século XIX que nascia e morria como proletário.
Além disso, os mercados de trabalho passam por uma enorme revolução. Há 40 anos atrás, uma expressiva parcela da força de trabalho era constituída de homens que trabalhavam de forma concentrada nas fábricas do setor industrial, o que facilitava a consolidação de valores e a mobilização sindicial. Hoje, quase 50% da força de trabalho é composta de mulheres que, na maioria dos casos, complementam o orçamento doméstico, e que, junto com os homens, trabalham em unidades dispersas e atomizadas do co-mércio e dos serviços - o que dificulta a conscientização e a mobilização.
Quando se junta a mobilidade social ascendente à desproletarização, diversificação e atomização da força de trabalho, compreende-se porque fica tão difícil a organização de grupos representatuvos, tanto no âmbito sindical como no partidário.
Está aí um quadro de uma sociedade desigual, móvel e de difícil organização.
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