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O ESTADO DE S. PAULO
3 de maio de 2019
Como proteger as novas ocupações profissionais
Algumas iniciativas m sendo tomadas no Brasil e em outros países, mas, além de
insuficientes, não foram devidamente testadas
Celso Ming e Guilherme Guerra
A Coluna desta quinta-feira tratou das enormes transformações por que vêm passando
as relações de trabalho, o assunto de 1.º de maio. O grande avanço da automação e o da
tecnologia de informação não estão destruindo empregos convencionais, mas,
também, vêm criando novas ocupações sem vínculo de emprego, como motoristas
de Uber, locadores de Airbnb e motoqueiros do iFood.
Não são apenas atividades impostas pelos novos estilos de vida e pelos aplicativos que o
desempregado aceita por falta de opção. São, em grande parte, atividades desejadas,
porque dão flexibilidade e uma vida profissional não sujeita nem a horários fixos nem a
determinações de um patrão qualquer.
Economista do trabalho e professor da Universidade de São Paulo, José Pastore, defende que a proteção social ao trabalhador deve
ser associado à pessoa, e não ao emprego Foto: Felipe Rau/Estadão
Uma vez que estas sejam aceitas como mudanças sem volta, a questão seguinte está em
procurar garantias de proteção às novas ocupações que, na prática, derrubam os próprios
fundamentos em que se construiu no passado a proteção ao trabalhador, quase todos
eles dependentes da relação de emprego. Na medida em que vai crescendo o trabalho
por conta própria, destroem-se, por exemplo, as bases para contribuição da
aposentadoria, um dos mais importantes direitos do trabalhador. Também fica
prejudicada a organização de entidades encarregadas de defender os interesses do
trabalhador, como sindicatos e associações representativas. E ficam outros direitos sem
cobertura adequada, como o seguro-desemprego e o seguro-saúde.
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Não para dizer que o desenvolvimento da proteção ao trabalho sem vínculo de
emprego esteja no marco zero. Algumas iniciativas vêm sendo tomadas não só no
Brasil. Mas, além de insuficientes, não foram devidamente testadas.
O especialista em Economia do Trabalho José Pastore, da Universidade de São Paulo,
adverte que é preciso partir do enfoque certo: a proteção social deve ser atrelada às
pessoas e não ao tipo de emprego ou ocupação a que se dedicam.
Mesmo que o tipo de trabalho não esteja ligado a uma relação de emprego e que escape
às determinações da CLT, é preciso dar a esses novos profissionais cobertura da
Previdência Social. Um motorista do Uber, por exemplo, deveria estar obrigado a
contribuir com um sistema previdenciário público ou privado. Isso, no entendimento de
Pastore, seria suficiente para que deixasse de ser considerado trabalhador informal,
mesmo que as regras da atividade não prevejam direito a férias e ao 13.º salário,
exigências típicas de quem está atrelado a um contrato convencional de trabalho.
Embora possam ser consideradas incipientes, o Brasil avançou em iniciativas que
conduzem a alguma proteção ao trabalho autônomo ou informal. Entre elas, está o
Recibo de Pagamento Autônomo (RPA) e o registro de Microempreendedor
Individual (MEI). Mas, adverte Pastore, enquanto não for feita a reforma na Previdência
e enquanto o País não voltar a crescer, não haverá campo adequado para criação de
instituições que regulamentem e protejam essas atividades.
Quanto à necessidade de sindicalização e de representação das novas categorias
profissionais, digamos assim, o que se pode dizer é que algumas novidades tecnológicas
favorecem a mobilização e a defesa de interesses, e não o contrário. O movimento dos
caminhoneiros em maio de 2018, por exemplo, não foi convocado por nenhum
sindicato. Foi organizado por líderes de ocasião, por meio de mensagens transmitidas
pelo WhatsApp. Isso mostra que o movimento sindical poderia dispensar tanto
complicadas mobilizações da categoria como as longas assembleias gerais e reuniões de
chão de fábrica.
Na União Europeia, ganham corpo debates sobre redução da jornada de trabalho,
destinada principalmente a criar mais empregos. Mas, além de aumentar o custo da mão
de obra, essa opção favorece a emigração de empresas para o leste da Europa e para a
Ásia, onde prevalecem outras regras.
Estudiosos vêm propondo a taxação do emprego de tecnologias altamente poupadoras
de mão de obra. Mas seria operação complicada demais. Imagine-se tributar aplicativos
de movimentação financeira sob o argumento de que tiram emprego de bancários. Ou
taxar o uso de computadores porque eliminam a função dos controladores de estoques.
Outro especialista em Economia do Trabalho, Hélio Zylberstajn, prefere ater-se a
princípios. Ele sugere a adoção de regras que favoreçam a reciclagem do trabalhador,
desde que a regulamentação, em vez de restringir, promova aberturas e novos caminhos.
“Regulamentação boa é a que garantias ao trabalhador, e não a que tolhe
empregador.”