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O ESTADO DE S. PAULO
31 de maio de 2018
Greve dos caminhoneiros: quem paga?
José Pastore e Eduardo Pastore *
Constatado o caráter disperso, descentralizado e baseado no WhatsApp, pode-se
argumentar que o movimento dos caminhoneiros não foi uma greve típica, marcada pelo
cabo de guerra entre empregados e empregadores e intermediado por sindicatos laborais
e empresas. Nem por isso se pode ignorar as inúmeras ilegalidades praticadas pelos
participantes. A começar pelas empresas transportadoras que, segundo o artigo 722 da
CLT, estariam proibidas de fazer lockout - uma vez comprovado.
Em seguida vem a infração ao artigo 10 da mesma lei (que disciplina a paralisação de
serviços ou atividades essenciais) que, no Inciso I, se refere explicitamente à
distribuição de combustíveis. E, para completar, houve os delitos praticados contra o
direito de ir e vir, assim como a ocupação indevida e o bloqueio de estradas e refinarias
por meio de piquetes violentos.
Com isso, os responsáveis colocaram em risco a sobrevivência, a saúde e a segurança
da população, o que é proibido pelo parágrafo único do artigo 11 da CLT. E o artigo 15
estabelece que os responsáveis estão sujeitos a sanções fixadas na legislação trabalhista,
civil e penal.
Com todas essas previsões legais, foi estranha a omissão do Poder Executivo, do
Ministério Público Federal e do Trabalho que deveriam ter acionado imediatamente o
Poder Judiciário para julgar e penalizar os infratores. O acionamento do Supremo
Tribunal Federal foi tardio e sem muita convicção quando se observa agora o aceno do
governo para perdoar as multas e penalidades cabíveis.
A omissão e a complacência apontadas foram muito graves porque elas estimularam a
prática da chantagem na escalada das demandas dos infratores e, em última análise,
simbolizaram a senha para a detonação de novas paralisações impunes.
O custo dessa greve é astronômico. Cláudio Considera estimou em R$ 100 bilhões
( Início da retomada pode se reverter , Estadão , 29/5/2018). E as perdas não param aí.
Tem-se pela frente a elevação de preços em decorrência da escassez dos produtos. E a
maior de todas as perdas é o abalo da confiança dos agentes econômicos que suspendem
as decisões de investir quando veem que as autoridades não implementam as leis.
No mundo inteiro, paralisações de transporte e de serviços essenciais são cercadas de
muito rigor para garantir a necessária proteção ao povo. Quando os ilícitos são
praticados a céu aberto, como no caso em tela, pergunta-se: quem paga os prejuízos
causados pelas flagrantes ilegalidades?
Agora, os petroleiros anunciaram uma greve de advertência de 72 horas. Neste caso,
porém, a Advocacia-Geral da União e a Petrobrás entraram prontamente com uma ação
cautelar na Justiça do Trabalho para lembrar os grevistas de que a produção e refino de
combustível são também atividades essenciais capituladas na Lei 7.783/1989. O
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Tribunal Superior do Trabalho prontamente declarou a greve abusiva e estipulou multas
expressivas para os infratores que insistirem na greve.
Em uma sociedade livre não é possível obrigar as pessoas a trabalharem contra a sua
vontade, mas é inadmissível que venham a colocar em risco a sobrevivência, a saúde e a
segurança das pessoas e, impunemente, causar prejuízos irreparáveis às empresas, à
economia e à imagem do país. É assim que funciona o Estado de Direito. A greve dos
caminhoneiros ocorreu dentro de um país que parece não ter lei e nem autoridade para
serem respeitadas. Esse não é o caminho para atrair investimentos e gerar empregos.
SÃO, RESPECTIVAMENTE: PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS; E ADVOGADO
TRABALHISTA. AMBOS SÃO MEMBROS DO CONSELHO DE EMPREGO E
RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMÉRCIO-SP